INTRODUÇÃO
Diz-se que há Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva (GNRP) quando um paciente que desenvolve síndrome nefrítica, independente da causa, evolui para falência renal de curso acelerado e fulminante, (com necessidade de diálise), de forma que, sem tratamento precoce, acaba caminhando inexoravelmente para o estado de “rim terminal” em semanas ou meses.
É uma urgência, pois ocorre aumento progressivo da creatinina sérica e da proteinúria, hematúria e/ou hipertensão arterial. Ocorre mais em homens, entre 50-60 anos ( > 40 anos). É uma síndrome com características de doença glomerular na urina e progressiva perda de função renal em curtos períodos de tempo.
CLASSIFICAÇÃO
A GNRP pode ser classificada em três grandes grupos, de acordo com o mecanismo patogênico e os achados laboratoriais. A separação em três tipos de GNRP é de fundamental importância na prática, pois o prognóstico e o tratamento geralmente diferem entre eles.
Tipos de GNRP |
Tipo I – Depósitos de Anticorpo Anti-MBG (10% dos casos) MBG – Membrana Basal Glomerular |
Doença de Goodpasture Glomerulonefrite Anti-MBG idiopática (GN Crescêntica Idiopática Tipo I) |
Tipo II – Depósitos de Imunocomplexos (45% dos casos) |
Renais Primárias Doença de Berger (Nefropatia por IgA) GN Membranoproliterativa GN Crescêntica Idiopática Tipo II Infecciosas/Pós-Infecciosas GNPE Endocardite infecciosa Hepatite viral B ou C Outros Não Infecciosas Sistêmicas Lúpus Eritematoso Sistêmico Púrpura de Henoch-Schönlein Crioglobulinemia Tumores |
Tipo III – Pauci-imunes (pouco ou nenhum depósito) (45% dos casos) |
Granulomatose de Wegener (c-ANCA positivo) Poliarterite Microscópica (p-ANCA positivo) Glomerulonefrite Crescêntica Pauci-imune Idiopática (Tipo III) |
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
ETIOLOGIA
A GNRP pode surgir em consequência a uma série de doenças sistêmicas, ou então aparecer como complicação ou evolução natural de uma glomerulopatia primária.
DOENÇAS GLOMERULARES PRIMÁRIAS
→ GN Crescêntica Idiopática
→ Glomerulopatias Pré-existentes:
→ GN Membranoproliferativa, GN Membranosa, GN Focal e Segmentar, Doença de Berger
DOENÇAS GLOMERULARES INFECCIOSAS/PÓS-INFECCIOSAS
→ GNPE
→ Endocardite infecciosa
→ Hepatite viral B ou C
→ Outros
DOENÇAS GLOMERULARES MULTISSISTÊMICAS
→ Doença de Goodpasture
→ Lúpus Entematoso Sistêmico
→ Púrpura de Henoch-Schönlein
→ Granulomatose de Wegener
→ Poliarterite Microscópica
→ Crioglobulinemia
→ Outros (Linfoma, Carcinoma – Próstata, Pulmão, Vesícula biliar)
DOENÇAS GLOMERULARES MEDICAMENTOSAS
→ Alopurinol, D-penicilamina, Rifampicina, Hidralazina
FISIOPATOLOGIA
A GNRP é comumente caracterizada morfologicamente pela extensa formação de crescentes. Os crescentes são formações expansivas que se estabelecem no interior da cápsula de Bowman e rapidamente invadem o espaço das alças glomerulares, desestruturando toda a arquitetura do corpúsculo de Malpighi. Sabe-se hoje que eles são formados pela migração de monócitos (macrófagos) através de alças capilares intensamente lesadas para o interior da cápsula de Bowman – podemos considerar a lesão capilar glomerular o evento inicial deflagrador dos crescentes. A passagem concomitante de fibrinogênio para a cápsula de Bowman e sua conversão em fibrina propicia a sustentação e o crescimento de toda a estrutura. Posteriormente, ocorre a migração de fibroblastos do interstício periglomerular para o espaço capsular. No final, o crescente inflamatório ou celular se converte num crescente fibroso, com perda glomerular irreversível.
TIPO 1 – GLOMERULONEFRITE ANTI-MBG E A SÍNDROME DE GOODPASTURE
O tipo mais raro de GNRP é aquele associado aos anticorpos antimembrana basal glomerular (MBG). Estes autoanticorpos são específicos contra a cadeia alfa-3 do colágeno tipo IV, encontrada apenas na membrana basal dos glomérulos e dos alvéolos pulmonares. O ataque desses anticorpos â membrana basal desencadeia um processo inflamatório grave que pode se manifestar como uma GNRP com ou sem um quadro de pneumonite hemorrágica (hemorragia alveolar, Insuficiência respiratória, anemia). De todos os pacientes com a doença do anticorpo anti-MBG, cerca de 50-70% apresenta, além da síndrome glomerular, uma síndrome hemorrágica pulmonar. Estes pacientes, por definição, possuem a Síndrome de Goodpasture. Os 30-50% restantes apresentam apenas a síndrome glomerular – dizemos que eles têm uma glomerulonefrite anti-MBG primária, correspondendo à GN Crescêntica Tipo I idiopática.
TIPO 2 – GNRP POR IMUNOCOMPLEXOS
Quase a metade dos casos de GNRP tem como causa uma glomerulite por imunocomplexos, que pode ser idiopática (rara), infecciosa/pós-infecciosa (ex.: GNPE) ou relacionada a doenças sistêmicas, como o Lúpus Eritematoso Sistêmico (nefrite lúpica proliferativa difusa ou Classe IV), além de causas mais raras. O quadro clínico é o de uma GNRP clássica, porém há caracteristicamente uma queda do complemento sérico (C3 e CH50), com anti-MBG e ANCA negativos.
TIPO 3 – GNRP PAUCI-IMUNE (ANCA POSITIVO)
Nos adultos velhos, é a forma mais comum de GNRP! Pode ser primária (idiopática), quando limitada ao rim, ou fazer parte de uma vasculite sistêmica do tipo poliarterite microscópica ou granulomatose de Wegener. Clinicamente, não há diferença em relação às outras causas de GNRP, a não ser a presença eventual dos comemorativos de uma vasculite sistêmica. O dado mais importante do diagnóstico é a pesquisa do ANCA – Anticorpo Anticitoplasma de Neutrófilo, que está presente na maioria destes pacientes, geralmente em altos títulos.
DIAGNÓSTICO
HISTÓRIA CLÍNICA
O quadro clínico da GNRP pode ser de início abrupto com febre, astenia, emagrecimento, mialgia e artralgia, alterações pulmonares e cutâneas, edema, hematúria e redução do débito urinário e proteinúria; ou, mais comumente, de início subagudo com edema e fadiga, tomando em seguida um curso acelerado. Ocorre síndrome nefrótica em 10-30% e síndrome nefrítica em 10-20%; oligúria e edema em 60%. A perda da função renal se estabelece em dias a semanas. Geralmente cursa com IRA oligo-anúrica.
Em muitos casos, os únicos sintomas do paciente são os da síndrome urêmica (insuficiência renal grave), identificados quando a taxa de filtração glomerular toma-se inferior a 20% do normal, com elevação da creatinina além de 5 mg/dl. Podemos citar como exemplos a encefalopatia, a pericardite e o sangramento urêmico – todos indicativos de diálise de urgência
EXAMES COMPLEMENTARES
Exames complementares da GNRP:
→ EAS com análise de hemácias;
→ Proteína de 24h;
→ Ureia e creatinina;
→ C3 e CH50;
→ Anticorpo anti-MBG;
→ ANCA.
EAS: hematúria (micro ou macro), cilindros hemáticos, hemácias dismórficas, proteinúria.
Aumento progressivo de ureia e creatinina. Geralmente creatinina > 3 mg/dl na apresentação.
Os três exames sorológicos auxiliam na classificação da GNRP:
→ Anticorpo anti-MBG elevado: Tipo I (GN anti-MBG, síndrome de Goodpasture).
→ C3, CH50 reduzido: Tipo II (GN por imunocomplexos).
→ ANCA positivo: Tipo III (GN pauci-imune ou relacionada a vasculites sistêmicas). ANCA é o anticorpo anticitoplasma de neutrófilo.
BIÓPSIA RENAL
É o exame padrão-ouro para o diagnóstico e classificação da GNRP, em especial o padrão da Imunofluorescência Indireta (IFI). No caso da Glomerulonefrite Antimembrana Basal Glomerular, a IFI demonstra um padrão linear, representando os depósitos de anticorpo na membrana basal glomerular. Nas Glomerulonefrites por Imunocomplexos, este exame revela um padrão granular. Finalmente, nas Glomerulonefrites Pauci-imunes, a IFI mostra pouco ou nenhum depósito imune. Apenas a fibrina depositada nos crescentes é visualizada no exame.
TRATAMENTO
Enquanto se aguarda a confirmação deve ser iniciado corticoides, com pulso de metilprednisolona 3 dias seguida por prednisona VO. O diagnóstico e tratamento precoce e acurado são alguns dos critérios que definem a reversibilidade da lesão. Se adquiriu remissão, deve ter terapia de manutenção, que deve ser continuada por 18 meses. Não se recomenda terapia de manutenção para aqueles que permaneceram em diálise e não tem sintomas sistêmicos.
TIPO 1
A terapia deve ser feita com Plasmaférese (exceto naqueles pacientes em diálise – dependentes desde a apresentação e tenham 100% de crescentes na biópsia, e não tenham hemorragia pulmonar) diária ou em dias alternados, até a negativação do anti-MBG no soro. Juntamente com a plasmaférese, devemos acrescentar Prednisona (1 mg/kg/dia) e um imunossupressor, que pode ser a Ciclofosfamida (2 mg/kg/’dia) ou a Azatioprina (1-2 mg/kg/dia), sendo esta última usada principalmente após a remissão, na terapia de manutenção. Os títulos seriados dos anticorpos anti-MBG são monitorados para avaliar a resposta à terapia.
TIPO 2
Tratamento da doença subjacente.
TIPO 3
corticóide + ciclofosfamida (ou corticóide + rituximab – para aqueles com contraindicação a ciclofosfamida ou sem doença severa). Plasmaférese – para os não responsivos à terapia convencional, que apresentem à biópsia sinais de reversibilidade e se encontrem em tratamento dialítico e apresentem hemorragia pulmonar.
REFERÊNCIAS
LONGO, et al. Harrison’s Principles of Internal Medicine. 18th ed. New York: McGraw-Hill, 2017.
RIELLA, MC. Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 2010.
ZATZ, R. Bases fisiológicas da nefrologia. 1ª Ed. Atheneu, 2012.