Mecanismos da hipertensão arterial

INTRODUÇÃO

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma condição clínica multifatorial caracterizada por níveis elevados e sustentados de pressão arterial (PA). Associa-se frequentemente a alterações funcionais e/ou estruturais dos órgãos-alvo (coração, encéfalo, rins e vasos sanguíneos) e a alterações metabólicas, com consequente aumento do risco de eventos cardiovasculares fatais e não-fatais.
Em 90 a 95% dos pacientes hipertensos, uma única causa reversível da pressão arterial elevada não pode ser identificada, daí o termo hipertensão arterial primária ou essencial. Entretanto, na maioria dos pacientes comportamentos facilmente identificáveis contribuem para a pressão arterial elevada. Nos 5 a 10% restantes, um mecanismo mais individualizado pode ser identificado, e a condição é chamada hipertensão secundária ou identificável.

PAPEL DO SISTEMA NERVOSO NO CONTROLE RÁPIDO DA PA

Uma função importante do controle nervoso é a sua capacidade de causar aumentos rápidos da pressão arterial. Para isso, as funções vasoconstritoras e cardioaceleradoras do SNS são estimuladas, enquanto ocorre inibição de sinais parassimpáticos para o coração.
Nesse processo ocorrem três importantes alterações: (1) a grande maioria das arteríolas se contrai, o que aumenta muito a resistência periférica; (2) as veias se contraem fortemente, aumentando o volume nas câmaras cardíacas e assim a força dos batimentos; (3) o coração é diretamente estimulado, o que aumenta a força e a frequência cardíaca.
O controle nervoso da pressão arterial é o mecanismo mais rápido de controle. Ele se inicia em poucos segundos e duplica a PA em 5 a 10s. Ao contrário a inibição súbita pode reduzir a PA até a metade em 10 a 40s.

EXERCÍCIO MUSCULAR E OUTRAS FORMAS DE ESTRESSE

Durante exercício físico intenso, os músculos requerem fluxo sanguíneo aumentado. Parte desse aumento resulta da vasodilatação local, e parte da elevação da PA em toda a circulação. Esse efeito resulta da ativação de áreas do centro vasomotor.
Em outros tipos de estresse pode ocorrer elevação da pressão. Por exemplo, durante medo extremo, chamada reação de alarme, que gera excesso de PA para suprir o fluxo sanguíneo para os músculos que precisem responder a algum perigo.

REFLEXOS BARORRECEPTORES

O aumento da pressão arterial estira os barorreceptores, fazendo com que transmitam sinais para o SNC. Sinais de feedback são enviados de volta pelo SNA reduzindo a PA. É chamado sistema de tamponamento pressórico, e os nervos de nervos tampões.
ANATOMIA FISIOLÓGICA
Existem poucos barorreceptores nas paredes das grandes artérias nas regiões torácica e cervical. Contudo, os barorreceptores são abundantes na parede de cada artéria carótida interna, no seio carotídeo; e na parede do arco aórtico.
Os barorreceptores carotídeos são transmitidos pelos nervos de Hering para os nervos glossofaríngeos e daí para o trato solitário, na região bulbar do tronco encefálico. Sinais dos barorreceptores aórticos são transmitidos pelos nervos vagos para o mesmo trato solitário do bulbo.
RESPOSTA DOS BARORRECEPTORES
Os barorreceptores do seio carotídeo não são estimulados pelas pressões entre 0 e 50 a 60 mmHg, mas acima desses níveis respondem de modo progressivamente mais rápido, atingindo o máximo em torno de 180 mmHg.
Na faixa normal de pressão em que operam de cerca de 100 mmHg, mesmo ligeira alteração da pressão causa forte variação do sinal do barorreflexo. Assim, o mecanismo de feedback funciona com maior eficácia na faixa de pressão em que ele é mais necessário. As respostas dos barorreceptores aórticos são semelhantes à dos carotídeos, exceto pelo fato de operarem em níveis de PA cerca de 30 mmHg mais elevados.
REFLEXO CIRCULATÓRIO
Depois que os sinais chegaram ao trato solitário do bulbo, sinais secundários inibem o centro vasoconstritor bulbar e excitam o centro parassimpático vagal. Os efeitos finais são: vasodilatação dos vasos e diminuição da frequência e força de contração cardíaca.
VARIAÇÕES DA POSTURA CORPORAL
Quando uma pessoa fica em pé, após ter ficado deitada, a PA na cabeça e na parte superior do corpo tende a diminuir, e a acentuada redução dessa pressão poderia provocar perda de consciência. Contudo, o reflexo dos barorreceptores resulta em forte descarga simpática que minimiza esse efeito.
REGULAÇÃO A LONGO PRAZO
Sua importância é controversa. Eles tendem a se reprogramar para o nível de pressão a qual foram expostos após 1 a 2 dias, o que mantém a pressão alterada. Entretanto, estudos experimentais sugeriram que, a longo prazo, os barorreceptores podem mediar diminuições da atividade nervosa simpática renal que promove a excreção aumentada de sódio e água.

QUIMIORRECEPTORES – EFEITO DA FALTA DE OXIGÊNIO

Os quimiorreceptores são sensíveis à falta de oxigênio, ao excesso de CO2 e de íons hidrogênio. Eles operam da mesma maneira que os barorreceptores. Quando a PA cai, a redução do fluxo provoca redução dos níveis de oxigênio e acúmulo de CO2 e H+, isso causa o estímulo dos quimiorreceptores. Entretanto, esse reflexo não é controlador potente da PA até que esta caia abaixo de 80 mmHg.

REFLEXOS ATRIAIS E DAS ARTÉRIAS PULMONARES

Os átrios e as artérias pulmonares têm receptores de estiramento referidos como receptores de baixa pressão. Eles são importantes pois minimizam as variações da PA em resposta às alterações do volume sanguíneo, apesar de não serem capazes de detectar a pressão arterial sistêmica.

REFLEXOS ATRIAIS QUE ATIVAM OS RINS

O estiramento dos átrios provoca dilatação reflexa das arteríolas aferentes renais. Sinais são também transmitidos para o hipotálamo, para diminuir a secreção de hormônio antidiurético (ADH). O aumento da FG e diminuição da reabsorção de líquido reduz o volume sanguíneo. A liberação do peptídeo natriurético atrial também contribui para uma maior excreção de líquido.

REFLEXO ATRIAL DE CONTROLE DA FREQUÊNCIA CARDÍACA

O aumento da PA provoca aumento da FC. Pequena parte desse aumento é causado pelo estiramento do nódulo sinusal, mas a maior parte é causado pelo reflexo de Bainbridge. Os receptores transmitem seus sinais aferentes por meio dos nervos vagos para o bulbo. Em seguida, sinais eferentes são transmitidos pelos nervos vagos e simpáticos.

RESPOSTA À DIMINUIÇÃO DO FLUXO SANGUÍNEO CEREBRAL

Quando o fluxo sanguíneo para o centro vasomotor diminui o suficiente para causar isquemia, os neurônios desse centro respondem de modo direto. Esse efeito pode elevar a PA a níveis muito elevados por até 10 minutos. O grau de vasoconstrição pode ser tão elevado que alguns vasos periféricos ficam quase ou totalmente obstruídos. Os rins, por exemplo, muitas vezes interrompem de forma total a produção de urina. Esse reflexo é chamado de resposta isquêmica do SNC.
Essa resposta não é significativa até que a PA caia bem abaixo da normal, até níveis de 60 mmHg ou menos. Portanto, ela não é um dos mecanismos normais de regulação da PA, atuando na maioria das vezes como sistema de emergência.
REAÇÃO DE CUSHING
Quando a pressão do líquido cefalorraquidiano (LCR) aumenta até se igualar à pressão arterial, ocorre compressão de todo o cérebro, bloqueando o suprimento sanguíneo cerebral. Isso inicia a resposta isquêmica do SNC que provoca elevação da PA. Quando a PA fica maior que a pressão do LCR, o sangue passa novamente a fluir pelos vasos cerebrais.

CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS NO CONTROLE NERVOSO DA PA

PAPEL DOS NERVOS E MÚSCULOS ESQUELÉTICOS

REFLEXO DA COMPRESSÃO ABDOMINAL
Quando é produzido o reflexo barorreceptor ou quimiorreceptor, sinais são transmitidos pelos nervos esqueléticos para os músculos esqueléticos, em especial para os abdominais. Isso provoca a compressão de todos os reservatórios venosos do abdômen, ajudando a translocar seu sangue em direção ao coração.
CONTRAÇÃO DA MUSCULATURA DURANTE O EXERCÍCIO
A contração dos músculos esqueléticos durante o exercício, comprimem os vasos sanguíneos em todo o corpo. O efeito resultante é a translocação do sangue dos vasos periféricos para o coração e, portanto, aumento do débito cardíaco. Esse aumento é essencial para elevação da PA.

ONDAS RESPIRATÓRIAS NA PA

Em cada ciclo respiratório a PA usualmente aumenta e diminui por 4 a 6 mmHg, de forma ondulante. As ondas resultam de vários efeitos diferentes, como:
1. muitos dos sinais respiratórios produzidos pelo bulbo “extravasam” para o centro vasomotor;
2. na inspiração, a pressão na cavidade torácica fica mais negativa, fazendo com que os vasos sanguíneos se expandam. Isso reduz a quantidade de sangue que retorna para o lado esquerdo e diminui o débito e a PA;
3. As variações da pressão nos vasos torácicos podem excitar receptores de estiramento.

O resultado final é aumento da PA durante parte inicial da expiração, e diminuição no restante do ciclo respiratório. Durante a respiração profunda, a pressão sanguínea pode aumentar e diminuir em até 20 mmHg em cada ciclo respiratório.

ONDAS VASOMOTORAS

Aumentam e diminuem mais lentamente que as ondas respiratórias, e são maiores – com até 10 a 40 mmHg. A causa das ondas vasomotoras ou ondas de Mayer é a oscilação reflexa de um ou mais mecanismos nervosos de controle da pressão. Pode ocorrer, por exemplo, por reflexos barorreceptor e quimiorreceptor ou por resposta isquêmica do SNC, produzindo diferentes tipos de onda.

PAPEL DOS RINS NO CONTROLE A LONGO PRAZO DA PA

CURVA DE DÉBITO RENAL

Durante período prolongado, o débito de água e de sal deve se igualar a ingestão. O único ponto do gráfico onde o débito se iguala à ingestão é onde as duas curvas se cruzam, referido como ponto de equilíbrio.
Variações crônicas da pressão arterial, com duração de dias ou meses, exercem efeito muito maior no débito renal do que o observado durante variações agudas de pressão. Assim, quando os rins estão funcionando normalmente, a curva do débito renal crônico é bem mais íngreme do que a curva aguda.

INCAPACIDADE DA RP AUMENTADA ELEVAR A PA A LONGO PRAZO

Como a pressão arterial é igual ao débito cardíaco multiplicado pela resistência periférica total, o aumento da resistência deveria aumentar a pressão. De fato, de foma aguda, a PA se eleva. Mas, o aumento da resistência dos vasos exceto nos rins não altera o ponto de equilíbrio do controle da pressão sanguínea. Assim, os rins começam a provocar aumento da diurese e natriurese de pressão. Após algumas horas, a PA é normalizada e o volume de líquido extracelular e de sangue diminui para níveis abaixo do normal.

AUMENTO DO VOLUME

O aumento do volume causa aumento do débito cardíaco. Os eventos sequenciais são: (1) elevação do volume extracelular; (2) elevação do volume sanguíneo; (3) aumento da pressão média de enchimento do coração; (4) aumenta o retorno venoso; (5) aumento do débito cardíaco; (6) aumento da PA.
Outro modo de elevação da PA é pelo aumento da resistência. Quando sangue em excesso flui pelo tecido, a vasculatura tecidual se contrai, normalizando o fluxo sanguíneo. Esse fenômeno eleva a resistência periférica total, aumentando a PA. Então, o mecanismo de autorregulação normaliza o débito cardíaco, enquanto provoca aumento secundário da resistência periférica total.

A IMPORTÂNCIA DO NaCl

A quantidade de sal aumulada no corpo é o principal determinante do volume do líquido extracelular:
– O excesso de sal aumenta a osmolaridade do líquido extracelular, o que estimula o centro da sede no encéfalo, fazendo com que a pessoa beba quantidade maior de água, o que aumenta o volume do líquido extracelular.
– Esse aumento da osmolaridade estimula a secreção de ADH, que aumenta a reabsorção de água.

SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA

A renina é sintetizada e armazenada em forma inativa chamada pró-renina nas células justaglomerulares. Quando a PA cai ocorre liberação de renina. Ela age enzimaticamente sobre o angiotensinogênio, liberando a angiotensina I. A angiotensina I tem poucas propriedades vasoconstritoras. Após alguns segundos, a angiotensina I é convertida em angiotensina II pela enzima conversora de angiotensina presente no endotélio dos vasos pulmonares. Outros tecidos como rins e vasos sanguíneos também contêm essa enzima. A angiotensina II exerce dois efeitos principais no aumento da PA: (1) vasoconstrição intensa; e (2) diminuição da excreção de sal e de água, por meio direto e pelo aumento da secreção de aldosterona.
A angiotensina II promove vasoconstrição das arteríolas aferente e eferente e diminui o fluxo sanguíneo. No entanto, a a. eferente é mais sensível à esse efeito, o que provoca mudanças na FG. Resumindo, baixos níveis de angiotensina II produzem aumento da FG, pela constrição das a. eferentes, enquanto altos níveis desse hormônio produzem diminuição da FG pela constrição das a. aferentes e eferentes.
Na hemorragia, o sistema renina-angiotensina-aldosterona é ativado. O alto nível de angiotensina II, juntamente com o aumento da atividade simpática, provoca constrição das a. aferentes e eferentes, causando diminuição do fluxo sanguíneo e da filtração glomerular.

REFERÊNCIAS

Guyton AC; Hall, JE. Tratado de Fisiologia Médica. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão.
Contanzo, 3ª Ed.

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