Miastenia gravis

INTRODUÇÃO

A miastenia gravis (MG) é uma doença imunológica mediada por anticorpos direcionados contra antígenos-alvo da porção pós-sináptica do receptor nicotínico de acetilcolina (AChR) na junção neuromuscular (JNM), com consequente redução numérica e funcional destes e que se caracteriza por fraqueza e fatigabilidade flutuantes da musculatura esquelética estriada. A palavra miastenia é de origem grega, com o prefixo myo significando músculo e asthenia, fraqueza. O termo gravis advém do latim, referindo-se à gravidade da sintomatologia

FUNCIONAMENTO DA PLACA MOTORA

Para a realização do ato motor, o potencial de ação do neurônio motor deve ser transmitido ao músculo efetor. Esse processo é mediado pela JNM, uma sinapse especializada do sistema nervoso periférico, no qual um impulso elétrico de despolarização neuronal pré-sináptico é transformado em energia química, atravessa uma região chamada fenda sináptica e é novamente transformado em energia elétrica na membrana pós-sináptica, que então induz à despolarização da membrana muscular pós-sináptica, o que, por sua vez, resulta em contração muscular.
A JNM é composta pela porção terminal do neurônio motor, a fenda sináptica e a porção pós-juncional, do músculo efetor.
Na porção terminal do neurônio motor, terminações nervosas intramusculares formam uma região distal mais proeminente, denominada botão terminal, que constitui um local de intensa atividade metabólica, e é preenchido por uma série de proteínas do citoesqueleto, da mitocôndria e por numerosas substâncias químicas. Estas últimas migram do citoplasma para a membrana celular durante o impulso nervoso para a contração muscular.
A membrana pré-sináptica contém canais de cálcio voltagem-dependentes (CCVD). Em resposta à despolarização do nervo, esses canais permitem o influxo de cálcio no terminal pré-sináptico, o que facilita a liberação de neurotransmissores durante o estímulo subsequente. Em seguida, o cálcio difunde-se rapidamente para fora do nervo terminal. Impulsos nervosos repetitivos também aumentam a mobilização de vesículas de ACh em direção às zonas ativas da membrana pré-sináptica. Como resultado, a contração muscular voluntária tem um efeito de facilitação transitória na liberação de neurotransmissores. De modo análogo, a estimulação nervosa repetitiva (ENR) é usada como uma técnica neurofisiológica para a investigação de distúrbios da JNM. O tempo de influxo do cálcio é extremamente importante na determinação da resposta a diferentes taxas de ENR.
A ACh é sintetizada e armazenada em vesículas. As vesículas são liberadas esporádica e irregularmente na membrana sináptica em repouso e em flashes após a despolarização do nervo. Quando ativadas, tais vesículas se fundem com a membrana pré-sináptica, despejando o conteúdo de acetilcolina na fenda sináptica. O neurotransmissor liberado migra e une-se a receptores de ACh localizados na membrana pós-sináptica, produzindo aumento transitório na permeabilidade dos canais de sódio e potássio. A membrana muscular pós-sináptica é dividida por uma rede de fendas juncionais secundárias que, por sua vez, são preenchidas por uma rica rede de moléculas AChR do tipo nicotínicos.
Quando duas moléculas de ACh encontram um receptor, uma reação química ocorre, com abertura de canais de sódio na membrana pós-sináptica produzindo despolarização localizada, não propagada. Essa despolarização produzida por apenas um receptor é conhecida como potencial da placa terminal em miniatura (PPTM). A soma de muitos PPTM produz despolarização localizada não propagada na região da placa terminal referida como potencial de placa terminal (PPT). Quando a soma de diversos PPT atinge o limiar de propagação, canais de sódio se abrem, gerando potencial de ação do tipo “tudo ou nada”, que se propaga desencadeando potencial de ação da fibra muscular. A propagação do potencial de ação pela fibra muscular ocorre via túbulos T, com liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático. O cálcio une-se à troponina, levando a mudanças conformacionais nas proteínas miofibrilares (tropomiosina, actina e miosina), com consequente contração muscular. A soma da atividade elétrica de centenas de milhares de potenciais de ação da unidade motora, que resulta na contração muscular visível.
A amplitude do PPT é diretamente relacionada ao número de moléculas de ACh que se unem a seus receptores. O processo de transmissão neuromuscular é finalizado pela difusão de ACh por meio da sinapse e hidrólise pela acetilcolinesterase, um processo rápido que dura alguns milissegundos.

SÍNDROME MIASTÊNICA

DEFINIÇÃO

Quadro de fadiga muscular flutuante, afetando músculos da motricidade voluntária (os que estão dependentes dos núcleos dos pares cranianos motores – oculomotricidade, mastigação, mímica facial, deglutição). Surge as sequência da atividade muscular continuada, com recuperação da força após repouso ou administração de fármacos anticolinesterásicos.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Início insidioso. Afeta músculos dos olhos (diplopia, estrabismo e ptose), da mandíbula (fadiga na mastigação) da face (o sorriso torna-se num esgar e o riso pode apresentar característica de choro), da orofaringe (disfagia com regurgitação nasal de líquidos), da laringe (disfonia) e do pescoço (incapacidade de suster a cabeça).

ETIOLOGIAS

→ Autoimunes: miastenia gravis, síndrome de Eaton-Lambert.
→ Genéticas: defeitos nos receptores de acetilcolina ou nas enzimas formadoras e clivadoras de acetilcolina.
→ Tóxicas: botulismo, organofosforados.

EPIDEMIOLOGIA

A prevalência nos EUA é de 14,2/1.000.000, com incidência de 0,2 a 0,5/100.000 casos novos a cada ano. Acomete principalmente mulheres entre 20 e 40 anos e homens entre 40 e 60 anos. As mulheres são mais frequentemente acometidas, na razão de 3:2, e a incidência aumenta com a idade. A ocorrência familiar da MG autoimune é rara, mas, em geral, há alta incidência de outras doenças imunológicas associadas.

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

A patogênese da MG envolve ataque imunológico mediado por anticorpos contra o receptor nicotínico de acetilcolina pós-sináptico (AcAChR) na JNM. Esses AcAChR induzem disfunção ou mesmo destruição da membrana pós-sináptica na placa motora, mediada pelo complexo de ataque C5-C9, com redução de AChR numérica ou funcional. As células T auxiliares e as células B são envolvidas na resposta autoimune. Os AcAChR induzem uma inflamação destrutiva da membrana pós-sinaptica, com alterações morfológicas da placa terminal. Este evento é mediado pela via do complemento, com ativação do complexo de ataque da membrana e desenvolvimento da cascata inflamatória. Em cerca de 10% dos pacientes com MG o anticorpo é dirigido contra uma proteína intrínseca da membrana da placa terminal, que é uma tirosina cinase músculo específica (anti-MusK). Esses anti-MuSK inibem a função do receptor. Em cerca de 5% ainda não foram detectados Ac circulantes.
Os linfócitos T podem se ligar ao AChR, tendo como função principal o estímulo para a produção de anticorpos pelas células B. Há evidências de que esta ativação ocorre no timo.
A maioria dos pacientes com MG soropositiva tem anormalidades tímicas, sendo descritas como hiperplasia tímica em 60 a 70% e timoma em 10 a 12%. A apresentação de antígenos por células tímicas via moléculas do MHC classe II pode ser anormal em pacientes com miastenia. Em particular, ocorre a hiperexpressão de catepsina V, uma das enzimas responsáveis pela clivagem da porção apresentadora de antígeno do MHC classe II. Expressões do RNAm e da proteína catepsina V não são aumentadas em tecido tímico de pacientes com timoma que não tenham miastenia.
Tem sido postulado que a AChR nas células musculares dentro do tecido tímico pode ter um papel na patogênese da MG. É possível que tais células musculares sejam alteradas por tecidos virais envolvendo o timo. A proximidade de células apresentadoras de antígeno e células T helper facilitaria a produção da resposta imunológica.
Fatores genéticos também estão envolvidos na patogênese da MG. Além disso, pacientes com MG frequentemente têm outras doenças imunomediadas, como lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, doença de Graves e tireoidite, bem como história familiar de doença autoimune.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

ANORMALIDADES OCULARES

Frequentemente há queixa de ptose palpebral, visão borrada ou diplopia, particularmente após uma sessão de leitura ou ao final do dia. O acometimento da musculatura ocular externa estará presente em 90%-95% dos casos em algum momento da doença. Uma maneira de aumentar a sensibilidade da detecção desse achado é pedir ao paciente que olhe para cima de forma sustentada ou abra e feche ambos os olhos repetidamente. Após a manobra, oftalmoplegia completa e nistagmo também podem ser vistos, embora menos frequentemente. Quando a manifestação inicial de uma síndrome miastênica for de origem ocular, a hipótese de Síndrome de Eaton-Lambert é virtualmente excluída. Ptose com frequência é assimétrica. As pupilas estão sempre poupadas na MG.

ANORMALIDADES DE MUSCULATURA BULBAR E FACIAL

Um terço dos pacientes apresenta dificuldade de mastigação e deglutição, podendo haver inclusive emagrecimento associado. Regurgitação nasal de líquidos ou sólidos pode resultar do acometimento dos músculos faríngeos e palatais. Caso haja fraqueza concomitante de língua, disartria e voz nasalada podem sobrevir. Embora menos frequente, a fraqueza facial pode ser detectada pedindo ao paciente que feche os olhos contra resistência. Eventualmente, pode apresentar um “sorriso canino” devido à falência da musculatura do canto da boca e à retração labial. Acometimento dos músculos faciais podem fazer o paciente parecer sem expressão.

ENVOLVIMENTO APENDICULAR

O paciente apresenta fraqueza muscular de natureza flutuante, que aumenta com a atividade muscular e melhora com o repouso. Fraqueza muscular dos membros e do pescmuscularoço é encontrada em até 30% dos pacientes, sendo que em apenas 3% destes o predomínio é distal. O peso da cabeça pode chegar a superar a força da musculatura extensora. Pode ocorrer dor cervical devido ao esforço excessivo de manter a cabeça erguida.

ANORMALIDADES RESPIRATÓRIAS

Ocasionalmente os pacientes podem apresentar-se com insuficiência respiratória por fraqueza diafragmática e de músculos respiratórios assessórios, configurando a crise miastênica. Uma maneira eficaz de avaliar disfunção respiratória à beira do leito é solicitar aos pacientes que contem em voz alta até 20 após uma inspiração máxima. Caso seja incapaz de realizar tal tarefa sem interromper para respirar novamente, sua capacidade vital forçada pode ser estimada em menos de um litro.
Há uma forma de miastenia neonatal, que ocorre em 15% a 20% de filhos de mães miastênicas, decorrentes da passagem transplacentária de Ac anti receptor de Ach. Os neonatos apresentam fraqueza transitória, dificuldade na sucção e depressão respiratória, mas o quadro usualmente dura apenas alguns meses.

TESTE DA FRAQUEZA MUSCULAR

(1) Pede-se ao paciente que olhe fixamente para cima: pode haver ptose e estrabismo.
(2) Pede-se ao paciente que conte de 1 até 100: a fala pode se tornar nasalada.
(3) Paciente mantém MMSS estendidos: pode haver queda bilateral.
(4) Pede-se ao paciente que bata palmas repetidamente: pode haver fadiga.
(5) Pede-se ao paciente que faça um movimento repetido de se levantar e agachar, segurando as mãos do examinador: haverá fadiga, fazendo com que o paciente aumente a força de preensão na mão do examinador.
Na síndrome miastênica, o tônus, trofismo muscular, os reflexos miotáticos e a sensibilidade estão normais.

CRISE MIASTÊNICA

Exacerbação dos sintomas pode levar ao quadro conhecido como crise miastênica, que ocorre em até 40% dos indivíduos com MG nos dois primeiros anos de doença. Caracteriza-se por fraqueza de predomínio em musculatura bulbar com disfagia, disartria, seguida por dispneia com diminuição da capacidade vital, atelectasia e microaspirações, evoluindo em alguns casos para insuficiência respiratória necessitando de ventilação mecânica. Entre os fatores precipitantes da crise estão as infecções (traqueobronquites, vias aéreas superiores e pneumonia aspirativa), a mudança nas medicações (aminoglicosídeos, polimixinas, clindamicina, fenitoína, lítio e clorpromazina) ou as cirurgias.

EXAMES COMPLEMENTARES

TESTE TERAPÊUTICO

Usa-se dose única de neostigmina e observa-se nos casos positivos remissão dos sinais e sintomas em 10-40 min. Deve ser feito em ambiente hospitalar, com atenção aos possíveis efeitos adversos colinérgicos (bradicardia, síncope, náuseas e salivação), quando deverá ser usada atropina IV.

ESTUDO ELETRONEUROMIOGRÁFICO

Mostra alteração característica, há um decremento acima de 10% na amplitude dos potenciais de ação musculares compostos, apresentando 75% de sensibilidade. Pode ser normal nos casos de acometimento exclusivamente ocular, o que não afasta o diagnóstico. Caso o estudo seja normal e ainda permaneça a suspeita diagnóstica, recomenda-se a realização da eletromiografia de fibra única, exame que registra fibras musculares individuais, que apresenta uma sensibilidade de 99%, excluindo virtualmente MG caso sua análise seja normal.

ANÁLISE LABORATORIAL

O teste imunológico mais comumente utilizado para o diagnóstico de MG mede a quantidade de anticorpo antirreceptor de ACh marcado por alfa-bungarotoxina (pesquisa de anticorpo antimúsculo estriado). A sensibilidade do teste é de 50% na MG ocular e 85% na MG generalizada.  Nos casos com ausência dos Ac anti-receptor de Ach, deve-se pedir ao Ac anti-MuSK, presentes em cerca de 10% dos casos, especialmente aquels com sintomas oculares, bulbares e cervicais. O anticorpo contra AChR pode, ocasionalmente, ser encontrado na hepatite autoimune, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide (em uso de D-penicilamina), polineuropatias inflamatórias, esclerose lateral amiotrófica, pacientes com timoma sem MG e em parentes de pacientes com a MG.

OUTROS EXAMES

Uma vez confirmado o diagnóstico, deve-se investigar a ocorrência concomitante de outras doenças frequentemente associadas com MG. Para tal, recomenda-se realização de tomografia computadorizada de tórax para investigar aumento de volume do timo e planejar intervenção cirúrgica, se indicada. Hemograma, função renal e hepática, eletrólitos, velocidade de eritrossedimentação, provas de função tiroidiana e de atividade reumática são exames necessários para excluir outras doenças.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Doenças que causam fraqueza muscular sistêmica ou de nervos cranianos podem ser confundidas com MG. Síndromes miastênicas congênitas (não confundir com MG juvenil ou neonatal transitória) são raras e de natureza não autoimune. A MG induzida por fármacos tem sido associada a penicilamina, curare, procainamida, quininas e aminoglicosídeos. Quando o acometimento for proeminente, a MG pode ser confundida com esclerose lateral amiotrófica. Lesões intracranianas com efeito de massa ou lesões de tronco encefálico podem causar achados oculares de nervos cranianos que mimetizam a miastenia. Outras síndromes incluem a síndrome de Eaton-Lambert, tiroideopatias, oftalmoplegia externa progressiva e distrofia óculo- faríngea.

SÍNDROME DE EATON LAMBERT

A SEL é uma desordem autoimune e adquirida da transmissão neuromuscular, em que o defeito está na membrana terminal do neurônio motor pré-sináptico, devido à liberação inadequada de ACh. Em pacientes com SEL, a IgG é dirigida contra CCVD, com consequente perturbação de arquitetura da membrana pré-sináptica e redução do número desses canais. O resultado final é a inibição do influxo de cálcio no terminal pré-sináptico do neurônio motor quando potenciais de ação chegam com redução no quantum de vesículas de ACh liberadas e prejuízo na transmissão neuromuscular.
A ptose em geral é discreta, bilateral e não representa uma queixa significativa. Em geral começa gradualmente com a fatigabilidade e a fraqueza evoluindo em distribuição distal-proximal. Ao contrário da MG, pacientes podem notar piora da fraqueza ao acordar, com melhora no final do dia, melhora transitória da força com exercício, porém evoluindo com fadiga após exercício físico persistente. Até 50% dos pacientes apresentam graus discretos de ptose, diplopia, disfagia e disartria. Pode ocorrer envolvimento do sistema nervoso autônomo, incluindo xerostomia, xeroftalmia, disfunção erétil, visão turva e hipotensão postural.
Ao exame, observa-se um padrão de fraqueza de predomínio em musculatura distal com reflexos profundos diminuídos ou ausentes, que podem melhorar após exercício em aproximadamente 50% dos casos. casos. Doença neoplásica, sobretudo carcinoma de pequenas células do pulmão, pode ser identificada em cerca de 50% dos pacientes, mais comum na população masculina, tabagista e com mais de 50 anos. Raramente é descrita em crianças.

BOTULISMO

O botulismo é causado por uma toxina produzida por Clostridium botulinum, organismos anaeróbicos Gram-positivos. Tais toxinas unem-se irrevogavelmente a receptores em terminais pré-sinápticos do neurônio motor, a seguir a toxina é translocada através da membrana e bloqueia a liberação de ACh cálcio-dependente. A ação da toxina parece independente da entrada de cálcio. A liberação prejudicada de ACh resulta na falha da transmissão neuromuscular. A lesão de terminais nervosos pode ser permanente, e a prolongada recuperação clínica parece ser dependente da formação de novas junções neuromusculares.
A ptose pode ocorrer em até um terço dos casos. Na população adulta, o quadro clássico do botulismo quase sempre segue ingestão de alimento contaminado por toxina, com a apresentação caracterizada pelo desenvolvimento de sintomas de musculatura bulbar, além de turvação visual, diplopia, ptose, disartria e disfagia em 12 a 36 horas após a ingestão do alimento contaminado. Um padrão de fraqueza descendente se segue ao quadro, evoluindo, em alguns casos, para insuficiência respiratória. Pode ocorrer por ferida contaminada ou em uso de drogas.
A forma mais comum descrita é a infantil. Tipicamente ocorre em crianças entre 6 semanas e 9 meses de idade, iniciado por constipação grave, seguida pela fraqueza descendente, choro e sucção débil, expressões faciais reduzidas seguidas por fraqueza de membros, hipotonia e hiporreflexia, além de ptose, oftalmoparesia e reflexo pupilar lento. Pode ocorrer febre por envolvimento do sistema nervoso autônomo.

MIOPATIAS

Conjunto de doenças que afetam o músculo esquelético de forma estrutural e/ou funcional. A fraqueza tem caráter progressivo na maioria dos casos. Sua distribuição proximal determina uma marcha característica em alguns pacientes, denominada “marcha anserina”, com báscula da bacia e base alargada, com hiperlordose. Além disso, apresentam o sinal de Gowers ou levantar miopático. Os reflexos tendinosos podem se tornar abolidos na fase avançada. Pode ocorrer atrofia tardiamente. A enzima creatina quinase (CK) encontra-se usualmente elevada e a ENMG apresenta um padrão típico da doença.
Podem ter causas hereditárias (distrofias musculares, miopatias metabólicas, canalopatias) e adquiridas (inflamatórias, endócrinas ou induzidas por drogas). A biópsia muscular é importante para definição do tipo de miopatia.

POLIRRADICULONEUROPATIAS

Estas condições decorrem de disfunção ou lesão em múltiplas raízes nervosas.  Em sua forma aguda, denominada Guillain-Barré, ocorre fraqueza global e progressão em horas a dias, e vem associada a queixa sensitiva e abolição dos reflexos tendinosos.

CONDUTA

TRATAMENTO DE MANUTENÇÃO

INIBIDORES DE ACETILCOLINESTERASE

Usa-se o brometo de piridostigmina via oral, sendo um tratamento sintomático, pois esta medicação inibe a metabolização da acetilcolina na fenda sináptica. Contudo, não alteram o processo fisiopatológico básico. É usada de forma exclusiva e suficiente na miastenia neonatal, porém nas outras formas de miastenia acaba havendo necessidade de tratamento adicional. É importante ficar atento aos efeitos adversos, frequentes com doses elevadas, que caracterizam a crise colinérgica: diarreia, aumento paradoxal da fraqueza e salivação.

CORTICOTERAPIA

Usa-se a prednisona via oral. Acredita-se que ela compromete a função dos linfócitos T e dos macrófagos. Duas estratégias são recomendadas em pacientes refratários à piridostigmina:
MG moderada-grave: iniciar com altas doses matinais durante 2 semanas e, a seguir, administrar em dias alternados até o controle total dos sintomas. Após esse período, retirar gradualmente a medicação.
Casos generalizados leves ou puramente oculares refratários: iniciar com doses baixas, com aumento gradual até melhora dos sintomas.
Efeitos adversos. Está associado a hipertensão, diabetes, hemorragias gastrointestinais, osteoporose, cataratas, glaucoma, aumento do peso, infecções, entre outros.

IMUSSUPRESSORES

São usados nos pacientes que só respondem a doses altas de prednisona ou naqueles que não o toleram. A primeira escolha é a azatioprina. Muitas vezes, é associada à prednisona, permitindo doses menores do corticoide. A azatioprina interfere com a síntese de nucleotídeos e bloqueia a proliferação dos linfócitos T. Efeitos adversos: sintomas gripais, distúrbios gastrointestinais, pancreatite, hepatite e mielossupressão. Por isso, a contagem de células sanguíneas e enzimas hepáticas deve ser cuidadosamente monitorizada, ajustando-se a dose de acordo com os resultados.
Outras opções nos pacientes que toleram a azatioprina: ciclosporina, ciclofosfamida ou metotrexato.

CRISE MIASTÊNICA

A crise miastênica é uma situação de refratariedade aguda à terapia utilizada que necessita de uma ação relativamente rápida, devido aos riscos envolvidos. Nessa situação, a primeira recomendação é reduzir ou suspender a terapia anticolinesterásica básica, já que em algumas situações a crise colinérgica por excesso de medicamento pode mimetizar uma crise miastênica. Como as demais opções imunossupressoras (prednisona, azatioprina, ciclofosfamida e ciclosporina) levam certo tempo para que surtam efeito terapêutico nos pacientes com MG, as intervenções com início de ação mais rápido são a plasmaférese e a imunoglobulina, sendo ambas igualmente eficazes.

TIMECTOMIA

A timectomia é o tratamento clássico de longo prazo. Não se observa resposta a essa terapêutica no primeiro ano. A resposta aumenta a partir do terceiro ano e atinge o ápice no quinto ano após a cirurgia.
O estadiamento clínico é de suma importância e, naqueles que não invadem a cápsula, a timectomia é curativa; aqueles que apresentam invasão da cápsula beneficiam-se da radioterapia adjuvante; os que invadem estruturas adjacentes, como pericárdio, pleura, pulmão, grandes vasos, devem ser complementados com poliquimioterapia.
No grupo de miastênicos com hiperplasia tímica, a indicação da timectomia deverá ser feita aos pacientes com quadros clínicos acentuados ou bulbares e graves. A indicação dessa terapêutica é eletiva, jamais com o paciente internado em unidade de tratamento intensivo, de preferência com o paciente em remissão clínica ou com mínimos sintomas ou sinais obtidos à custa de preparo com prednisona associada a inibidores de colinesterase.
Embora a indicação da timectomia possa ser feita a qualquer momento da evolução da doença, em geral, não é indicada no primeiro ano.

REFERÊNCIAS

Brasil, Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Miastenia Gravis. PORTARIA Nº 1.169, DE 19 DE NOVEMBRO DE 2015.
Martins, MA; et al. Clínica médica, volume 6: doenças dos olhos, doença dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais, 2ª ed. Barueri, SP, Manole, 2016.

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