INTRODUÇÃO
O termo pneumonia pode ser definido sob dois pontos de vista diferentes. Pelo enfoque histopatológico, pneumonia significa preenchimento do espaço alveolar por infiltrado necroinflamatório – os alvéolos encontram-se totalmente ocupados por leucócitos (geralmente neutrófilos) e exsudato purulento, contendo debris celulares, neutrófilos e bactérias. Neste aspecto, a pneumonia deve ser diferenciada da pneumonite ou alveolite, lesão caracterizada por um infiltrado inflamatório localizado principalmente (mas não exclusivamente) nos septos alveolares, que representam o interstício do órgão.
Sob o ponto de vista clínico, quando o médico usa o termo pneumonia, está se referindo à infecção aguda do pulmão. Usando este conceito, consideramos pneumonia todo e qualquer processo inflamatório agudo do parênquima pulmonar decorrente da infecção por algum microrganismo (bactéria, vírus ou fungo).
A última edição do Consenso Brasileiro de Pneumonia Adquirida na Comunidade (PAC), de 2009, define esta entidade da seguinte maneira:
– Pacientes sem história de internação > 48 h nos últimos 90 dias.
– Pacientes sem história de uso de ATB intravenoso, quimioterapia ou tratamento para úlcera de pressão nos últimos 30 dias.
– Pacientes não oriundos de unidades especiais de internação prolongada (ex: asilos, home care).
– Pacientes que não se encontram sob tratamento em clínicas de diálise.
Dessa forma, pessoas internadas há > 48 h (ou que tiveram internação com esta duração nos 90 dias precedentes); que usaram antimicrobianos parenterais, quimioterápicos ou trataram úlceras de pressão nos últimos 30 dias; que frequentam clínicas de diálise ou são provenientes de asilos ou home care, recebem o diagnóstico de pneumonia associada aos cuidados de saúde, isto é, pneumonia de padrão hospitalar ou nosocomial.
EPIDEMIOLOGIA
Segundo os últimos dados do SIH (Sistema de Informações Hospitalares do SUS), em 2007 a pneumonia foi a causa número 1 de internações no Brasil (perdendo apenas para parto/puerpério, não considerados doença). O sexo masculino foi predominante, e a maioria dos casos ocorreu nos meses de outono-inverno. em particular nos extremos de idade (menores de 5 anos e maiores de 65 anos).
Embora a pneumonia bacteriana possa ocorrer em indivíduos previamente hígidos, ela incide principalmente nos pacientes debilitados por alguma patologia de base.
CLASSIFICAÇÃO
BRONCOPNEUMONIA (INFILTRADO INTERSTICIAL)
Caracterizada pela consolidação alveolar multifocal – são múltiplos focos acinares (ou lobulares), coalescentes, que predominam na região peribrônquica. Cada um desses focos ocupa o volume aproximado de um ácino ou lóbulo pulmonar. Este é o tipo mais frequente de apresentação da pneumonia. O pneumococo, o Staphylococcus aureus, e as bactérias Gram-negativas costumam acometer o pulmão desta forma, mas qualquer agente infeccioso causador de pneumonia pode cursar com este padrão. Vale ressaltar que se a coalescência dos focos broncopneumônicos atingir um grande volume, o infiltrado pode transformar-se em uma pneumonia lobar ou sublobar.
PNEUMONIA LOBAR
Caracterizada pela consolidação alveolar extensa, ocupando uma grande área do parênquima pulmonar, como um lobo inteiro. Cerca de 90-95% dos casos de pneumonia lobar comunitária têm como agente principal o Streptococcus pneumoniae, mas qualquer bactéria de alta virulência pode desenvolver este padrão pneumônico.
Um tipo especial de pneumonia lobar – a pneumonia do lobo pesado – é causada pela Klebsiella pneumoniae (pneumonia de Friedlander), geralmente em alcoólatras ou diabéticos. O lobo comprometido costuma ser o superior, e na radiografia observa-se abaulamento da cisura (pelo edema lobar inflamatório).
PNEUMONIA TÍPICA E ATÍPICA
As PACs atípicas seriam caracterizadas por progressão mais lenta e predominância de sintomas sistêmicos sobre os respiratórios. A temperatura não seria tão alta, a tosse, pouco produtiva e com expectoração mucóide; haveria pouca dor pleurítica. A semiologia respiratória seria pobre. Uma vez com este quadro clínico atípico poderíamos suspeitar de germes atípicos, pois é diferente da pneumonia mais típica de todas: a pneumocócica.
Porém, vários trabalhos recentes têm demonstrado que a apresentação clínica de uma PAC depende muito mais do estado imunológico de um paciente do que do agente etiológico. Dessa forma, as diretrizes de diferentes sociedades de pneumologia recomendam o abandono dessa classificação, utilizando apenas o termo germes ou agentes atípicos (M. pneumoniae, C. pneumoniae, Legionella spp).
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
ETIOLOGIA
É importante estabelecer correlação entre o local e o agente etiológico e a correlação entre comorbidades e agentes típicos e atípicos (FIGURA).
Embora a pneumonia por Legionella pneumophila (legionelose) seja considerada uma causa de pneumonia ‘atípica’, o motivo certamente não é o quadro clínico semelhante à pneumonia por micoplasma e clamídia, mas sim o fato de esta bactéria não ser identificada com facilidade no Gram de escarro, não crescer em cultura para germes comuns e não responder aos antibióticos betalactâmicos. Na verdade, a legionelose é uma doença bastante grave, muito mais do que a infecção pneumocócica, e de início agudo, com febre alta e evolução para grandes áreas de condensação pulmonar de pneumonia lobar.
FISIOPATOLOGIA
Na grande maioria dos casos, o micro-organismo causador da pneumonia atinge os alvéolos pulmonares através da microaspiração do material proveniente das vias aéreas superiores (orofaringe, nasofaringe). Ou seja, para infectar o pulmão, o agente primeiro precisa colonizar o epitélio faríngeo e depois ser aspirado para as vias aéreas inferiores. Menos comumente, o germe atinge os alvéolos por inalação de aerossol contaminado do ambiente (Legionella) ou por via hematogênica (S. aureus).
COLONIZAÇÃO DAS VIAS AÉREAS SUPERIORES
As bactérias anaeróbias são os principais colonizadores do epitélio faríngeo, presentes numa concentração 10 vezes maior que a de aeróbios. São as mesmas bactérias encontradas na cavidade oral, especialmente no sulco gengival, nas placas dentárias, nas criptas da língua e nas amígdalas. Em termos de concentração bacteriana na faringe, depois dos anaeróbios vêm os Gram-positivos aeróbios.
O epitélio faríngeo dos indivíduos hígidos é revestido por uma camada de fibronectina – uma proteína que serve como receptor para a adesão dos aeróbios Gram-positivos. A idade avançada e determinadas afecções debilitantes, como DPOC, diabetes mellitus e alcoolismo, podem modificar a microbiota colonizadora por reduzir a quantidade de fibronectina do epitélio, permitindo a exposição de receptores das células epiteliais para agentes Gram-negativos aeróbios. Assim, bactérias como Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis e Klebsiella pneumoniae começam a sobressair e colonizar as vias aéreas superiores (e eventualmente as inferiores) destes pacientes. Um outro exemplo é o das pneumopatias estruturais, como a fibrose cística e as bronquiectasias, que permitem a colonização das vias aéreas inferiores por S. aureus e P. aeruginosa.
VIRULÊNCIA BACTERIANA E DEFESAS DO HOSPEDEIRO
A ocorrência da pneumonia depende muito da competição entre a bactéria e as defesas do hospedeiro. Para ocorrer pneumonia uma ou mais das seguintes situações tem que estar presente: (1) contato do alvéolo com um agente de alta virulência, (2) contato do alvéolo com um grande inóculo de bactérias, (3) defeito nos mecanismos de defesa do hospedeiro.
As defesas naturais do aparelho respiratório conseguem manter as vias aéreas infraglóticas estéreis, apesar de uma grande concentração de bactérias na faringe, cavidade oral e nasal. As partículas infectantes medindo mais de 2 micra geralmente são depositadas no muco do epitélio traqueobrônquico e então conduzidas pelo movimento ciliar das células epiteliais até a orofaringe, onde são deglutidas. O reflexo da tosse e outros reflexos epiglóticos podem eliminar abruptamente uma grande quantidade dessas partículas. A secreção de IgA específica é um importante meio de defesa das vias aéreas superiores contra agentes infecciosos. Uma pequena quantidade desta imunoglobulina também pode ser encontrada nas vias aéreas inferiores.
As partículas infectantes muito pequenas, com menos de 2 micra, conseguem atingir os bronquíolos terminais e os alvéolos, estruturas desprovidas de cílios. Entretanto, o surfactante alveolar é rico em substâncias de efeito antibacteriano, como IgG, IgM, complemento, fibronectina, lisozimas e proteínas ligadoras de ferro.
Se a virulência do agente for alta, ele consegue se multiplicar mesmo na presença de macrófagos alveolares. Algumas bactérias podem se proteger do sistema humoral (anticorpos, complemento) pela liberação de exotoxinas e pela presença de uma cápsula polissacarídica, como no caso do pneumococo. A defesa contra este tipo de germe depende muito da presença de anticorpos específicos contra os antígenos capsulares (o que pode ser obtido com a vacina antipneumocócica polivalente). Quando os macrófagos não conseguem conter a proliferação bacteriana, passam a servir de mediadores da resposta inflamatória, liberando citocinas, como o TNF-alfa, a IL-1 e fatores de quimiotaxia para neutrófilos, como o IL-8, o C5a e o leucotrieno B4. Estes fatores, chamados quemoquinas, também são liberados pelas células do endotélio e do epitélio alveolar. Os neutrófilos então são recrutados no local, desencadeando e perpetuando o processo inflamatório agudo.
FATORES PREDISPONENTES
– Idade avançada: Mecanismo desconhecido de imunodepressão: aumenta a colonização faríngea por Gram-negativos.
– Tabagismo: Inibe a atividade ciliar e a capacidade fagocítica dos macrófagos alveolares.
– DPOC: Inibe a atividade ciliar e a capacidade fagocítica dos macrófagos alveolares: aumenta a colonização da faringe e da árvore traqueobrônquica por Gram-negativos.
– Alcoolismo: Inibe a tosse e os reflexos glóticos: inibe a quimiotaxia para neutrófilos e o metabolismo oxidativo destas células: aumenta a colonização faríngea por Gram-negativos.
– Diabetes mellitus: Mecanismo desconhecido de imunodepressão; aumenta a colonização faríngea por Gram-negativos.
– Insuficiência Cardíaca Congestiva: Mecanismo desconhecido.
– Uremia crônica: Menos capacidade fagocítica: inibe a quimiotaxia para neutrófilos e o metabolismo oxidativo destas células.
– Infecções Virais (principalmente Influenza): Lesão do epitélio traqueobrônquico (perda da atividade ciliar).
– Queda da Consciência: Inibição da tosse e dos reflexos glóticos – aspiração de grandes quantidades de material faríngeo ou gástrico.
– Doença Cerebrovascular: Inibição da tosse e dos reflexos glóticos; distúrbio da deglutição.
CONDIÇÕES PREDISPONENTES A GERMES ESPECÍFICOS:
– DPOC: Haemophilus influenzae (patógeno mais comum), Streptococcus pneumoniae (segundo mais comum), Moraxella catarrhalis.
– Alcoolismo: Klebsiella pneumoniae, Pneumonia aspirativa: anaeróbios.
– Pós-lnfluenza (‘Gripe’): Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus.
– Usuário de Drogas IV: Staphylococcus aureus.
– Diabéticos: Gram-negativos.
– Uremia Crônica: Gram-negativos.
– Doença Cerebrovascular: Gram-negativos, Pneumonia aspirativa: anaeróbios.
– Queda da consciência: Pneumonia aspirativa: anaeróbios.
– Dentes em mal estado de conservação: Anaeróbios
– Neutropenia < 1.000/mm3: Enterobactérias (Escherichia coli. Enterobacter sp., Serratia sp.), Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus.
– Fibrose Cística: Haemophilus influenzae, Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus, Burkholderia cepacia.
PNEUMONIA PNEUMOCÓCICA
O pneumococo ou Streptococcus pneumoniae é um coco Gram-positivo que, ao atingir os alvéolos, é capaz de desencadear uma reação inflamatória neutrofílica com grande rapidez e agressividade. A bactéria se multiplica nos espaços alveolares (que se comunicam entre si através dos poros de Kohn) e libera substâncias com efeito vasodilatador e alto poder quimiotáxico para neutrófilos. O processo pneumônico se instala e evolui em 4 fases sucessivas:
1 – Congestão
Nesta fase, as bactérias se multiplicam rapidamente no interior dos alvéolos, os vasos dilatam-se ingurgitando-se de sangue. Um exsudato fibrinoso, com poucos neutrófilos, já pode ser visto no espaço alveolar.
2 – Hepatização Vermelha
Caracterizada pela exsudação de hemácias, neutrófilos e fibrina para o interior dos alvéolos. O espaço alveolar já se encontra totalmente ocupado por este exsudato. Como predominam as hemácias, o aspecto macroscópico do lobo pulmonar acometido é semelhante ao fígado – daí o nome hepatização.
3 – Hepatização Cinzenta
As hemácias começam a se desintegrar e o exsudato passa a conter basicamente neutrófilos e debris celulares. Seria a fase supurativa da pneumonia. O aspecto macroscópico revela uma consolidação de cor cinza claro.
4 – Resolução ou Organização
O exsudato celular dá lugar a um material semifluido e granulado, formado pelos debris das células inflamatórias. Estes vão sendo consumidos por macrófagos até a completa resolução do processo. Na maioria das vezes, o parênquima pulmonar volta ao normal. Aqui cabe ressaltar que a pneumonia pneumocócica não costuma destruir os septos alveolares. Esta regra não vale para a pneumonia estafilocócica, por germes Gram-negativos entéricos e por anaeróbios.
DIAGNÓSTICO
HISTÓRIA CLÍNICA
QUADRO CLÍNICO TÍPICO
Sintomas mais frequentes:
– Febre Alta (80%)
– Tosse (80%)
– Expectoração purulenta (60-80%)
– Calafrios (40-50%)
– Dor torácica pleurítica (30%)
– Tremores (15%)
A doença se apresenta de forma hiperaguda (2-3 dias), com uma história de calafrios com tremores, seguidos de febre alta (39-40°C), dor torácica pleurítica e tosse produtiva com expectoração purulenta (esverdeada).
Quanto mais idoso e mais debilitado for o paciente por alguma doença de base, mais o quadro clínico se afasta do que foi descrito acima. A febre pode estar ausente ou, se presente, ser mais baixa (38-38,5″C). Podem faltar outros comemorativos, como a tosse, a expectoração purulenta e a leucocitose. Às vezes, o único sinal de pneumonia nesses pacientes pode ser a prostração, a desorientação ou a taquidispneia.
QUADRO CLÍNICO ATÍPICO
O quadro clínico atípico de pneumonia se parece com uma virose respiratória prolongada. A instalação é subaguda (tempo de início médio dos sintomas = 10 dias), abrindo com sintomas gerais de uma síndrome gripal: dor de garganta, mal-estar, mialgia, cefaleia, tosse seca, febre entre 38-39°C. A tosse costuma piorar após a primeira semana, passando a ser o principal sintoma, às vezes persiste por várias semanas. Costuma ser uma tosse seca, que atrapalha o sono do paciente, mas também pode mostrar-se produtiva. Neste caso, a expectoração geralmente é branca, mas em 30-50% dos casos é descrita como purulenta.
EXAME FÍSICO
QUADRO CLÍNICO TÍPICO
Sinais mais frequentes:
– Hipertermia (80%)
– Estertoração pulmonar (80%)
– Taquipneia (45-70%)
– Taquicardia (45%)
– Síndrome de consolidação pulmonar (30%)
– Síndrome de derrame pleural (10-15%)
O exame físico pode revelar prostração, taquipneia (FR > 24 ipm), taquicardia (FC > 100 bpm) e hipertermia (Tax > 38°C). Os achados positivos no exame do aparelho respiratório podem variar desde simples estertores inspiratórios até uma síndrome de consolidação e/ou de derrame pleural. A síndrome de consolidação é caracterizada pela presença do som bronquial (sopro tubário), aumento do frêmito toracovocal, submacicez, broncofonia e pectorilóquia fônica. A síndrome do derrame pleural é identificada pela diminuição ou abolição do murmúrio vesicular e do frêmito toracovocal, submacicez e egofonia.
QUADRO CLÍNICO ATÍPICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Exames complementares na Pneumonia Comunitária:
– Hemograma
– Eletrólitos
– Perfil hepático
– Perfil renal
– Gasometria arterial
QUADRO CLÍNICO TÍPICO
Os exames gerais geralmente revelam uma leucocitose neutrofílica entre 15.000–35.000/mm3 com desvio para esquerda. A ativação dos neutrófilos pode ser notada à hematoscopia pela presença de granulações grosseiras no citoplasma e/ou corpúsculos de Dohle. O hematócrito, os índices hematimétricos e as plaquetas costumam estar normais no início do quadro. A leucopenia pode ocorrer e é considerada um importante sinal de mau prognóstico.
A bioquímica na maioria das vezes está normal, mas pode mostrar hiponatremia leve a moderada em alguns casos. A hiponatremia grave e a elevação das enzimas hepáticas são mais comuns na pneumonia por Legionella pneumophila. O aumento agudo das escórias renais sugere sepse grave ou nefrite intersticial pelo antibiótico utilizado. A gasometria arterial depende da gravidade e extensão da pneumonia, bem como da reserva cardiopulmonar prévia do paciente. Os achados mais frequentes são a hipoxemia e a alcalose respiratória. O encontro de hipoxemia grave (PaO2 < 60 mmHg), acidose metabólica ou respiratória são importantes sinais de mau prognóstico.
RADIOGRAFIA DE TÓRAX
A radiografia geralmente aparece com infiltrado pulmonar. Este infiltrado, no caso da pneumonia bacteriana, geralmente é do tipo alveolar broncopneumônico: múltiplas condensações lobulares coalescentes. A presença do broncograma aéreo caracteriza o infiltrado alveolar, pois os alvéolos em volta do brônquio estão preenchidos de exsudato, contrastando com o ar em seu interior. Algumas vezes, podemos ter uma grande área de consolidação alveolar, constituindo a pneumonia lobar ou sublobar.
A radiografia pode determinar a presença de outros quadros infecciosos do trato respiratório inferior e superior, onde a sintomatologia, embora semelhante, traz imagem radiológica normal. A radiografia também pode definir a gravidade do quadro pela extensão do acometimento pulmonar e identificar complicações, como derrame pleural, atelectasias, tuberculose, etc.
A formação de cistos com paredes finas, geralmente múltiplos, denominados pneumatoceles, é comum na pneumonia por Staphylococcus aureus. São decorrentes da passagem de ar para o interstício subpleural, através de pequenas roturas bronquiolares e revertem completamente com o tratamento medicamentoso da pneumonia, sem a necessidade de drenagem.
Uma pneumonia que se manifesta na radiografia com uma condensação de formato arredondado (pseudotumor) é chamada de pneumonia redonda (round pneumonia). É uma entidade típica de crianças, causada quase sempre pelo Streptococcus pneumoniae. A propensão à necrose parenquimatosa, com formação de cavitações, caracteriza a pneumonia pelos seguintes agentes: anaeróbios (pneumonia aspirativa), Klebsiella pneumoniae, Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae sorotipo 3 (raro). Quando as lesões cavitárias são pequenas (< 2 cm), usamos a denominação pneumonia necrosante, e quando a lesão cavitária é grande (> 2 cm), contendo nível hidroaéreo, chamamos de abscesso pulmonar.
Pacientes tabagistas com > 50 anos (e também aqueles com persistência dos sintomas ou achados focais ao exame físico pós-tratamento) devem repetir o raio-X de tórax em 6 semanas (para avaliar a possibilidade de câncer de pulmão – pneumonia pós-obstrutiva).
QUADRO CLÍNICO ATÍPICO
O laboratório só mostra leucocitose neutrofílica em 20% dos casos, o que difere da pneumonia bacteriana ‘típica’, na qual a leucocitose com desvio para esquerda é a regra. O grande marco da síndrome da pneumonia ‘atípica’ é a importante dissociação clinicorradiológica encontrada nesses pacientes. Enquanto o exame do aparelho respiratório é totalmente normal ou revela apenas discretos estertores crepitantes ou sibilos, a radiografia de tórax mostra um infiltrado pulmonar maior do que o esperado. O infiltrado pode ser do tipo broncopneumônico (típico das infecções por micoplasma ou clamídia) ou do tipo intersticial reticular ou reticulonodular (típico das viroses).
PESQUISA DO AGENTE ETIOLÓGICO
Exames recomendados pela SBPT para diagnóstico etiológico de PAC em diferentes situações | |
Situação | Exames Recomendados |
Tratamento ambulatorial | Desnecessários |
Tratamento em enfermaria | Gram e cultura de escarro* Duas hemoculturas** Sorologia*** Antígeno urinário (pneumococo e legionella)** Toracocentese |
Tratamento em UTI | Todos os exames acima e broncoscopia ou aspirado traqueal com cultura quantitativa em pacientes em ventilação mecânica. |
Observações * Escarro purulento, sem antibiótico prévio ou com falha a este. ** Casos mais graves ou sem resposta ao tratamento. *** Na suspeita específica, em surtos ou para estudos epidemiológicos. |
A recomendação atual é a procura do agente etiológico somente se houver motivo para acreditar que o resultado possa alterar o antibiótico que você selecionou empiricamente. Assim, na PAC, em especial nos casos que serão tratados em regime ambulatorial, a escolha do antibiótico é empírica, com base nos agentes mais frequentemente identificados em estudos epidemiológicos, eventualmente com algum ajuste em função de fator de risco específico ou situação epidemiológica (influenza aviária, Legionella, tuberculose).
TESTE DO ANTÍGENO URINÁRIO PNEUMOCÓCICO
Vantagens: rapidez, simplicidade, capacidade de detectar mesmo após início da antibioticoterapia. Sensibilidade de 50-80% e especificidade de mais de 90%.
Desvantagens: custo, ausência de antibiograma, falso-positivo em crianças com doença respiratória crônica colonizada pelo S. pneumoniae e em pacientes com episódio de PAC nos últimos 3 meses. Não há restrição em pacientes DPOC.
TESTE DO ANTÍGENO URINÁRIO DA LEGIONELLA
Sensibilidade de 70-90% e especificidade de 99%. Desde o primeiro dia de doença já se encontra positivo e permanece por semanas.
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS
O diagnóstico de pneumonia comunitária geralmente é feito pelo quadro clínico-laboratorial em conjunto com a radiografia de tórax nas incidências PA e perfil. O exame de escarro pode revelar dados que corroboram o diagnóstico e sugerem o agente etiológico. Exames invasivos e semi-invasivos (ex.: broncofibroscopia) não devem ser solicitados de rotina, mas podem ser necessários em casos selecionados.
CRITÉRIOS DE INTERNAÇÃO
O Consenso Brasileiro sugere que se use o escore de gravidade CURB-65 para auxiliar na decisão de tratamento ambulatorial ou internação (FIGURA).
Pacientes com escore de 0 ou 1 (apenas ganhou ponto pela idade) podem ser tratados ambulatorialmente. Escores de 2 ou mais indicam internação do paciente. Mas, é preciso avaliar o paciente, a avaliação complementar do médico é importante na tomada de decisão independente dos números. Ela deve considerar a possibilidade de o paciente tomar ou não medicação por via oral, o apoio que o paciente terá durante seu tratamento ambulatorial, a presença de comorbidades que podem ser descompensadas pela pneumonia (diabetes, insuficiência cardíaca, DPOC). Além disso, é preciso lembrar que as internações têm um custo 25x maior, prolongam o período de retorno às atividades do dia-a-dia, além de maior risco de TEP e infecção por agentes mais virulentos e resistentes. A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) sugere um fluxograma para auxiliar na decisão de internação (FIGURA).
Segundo o Consenso Brasileiro, para definir PAC grave, usamos o escore proposto por Ewig e colaboradores (FIGURA). Recomenda-se internação em UTI quando o paciente apresentar 1 critério maior ou 2 critérios menores.
Composição do escore CURB-65 | |||
Sigla | Variável | Alteração | Pontuação |
C | Confusão mental | Presente | 1 |
U | Ureia | ≥ 50 mg/dl | 1 |
R | Respiração | ≥ 30 irpm | 1 |
B | “Baixa” Pressão arterial | PAS ≤ 90 ou PAD ≤ 60 mmHg | 1 |
65 | Idade | ≥ 65 anos | 1 |
Critérios para definição de PAC grave | |
Critérios Maiores | Critérios Menores |
– Insuficiência respiratória aguda com indicação de ventilação mecânica. – Choque séptico. |
– Relação PaO2/FIO2 menor do que 250 – Presença de infiltrados multilobulares – Hipotensão arterial (sistólica < 90 mmHg ou diastólica < 60 mmHg) |
Internação em UTI = 1 maior ou 2 menores |
TRATAMENTO E MANEJO
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
O tratamento da PAC pela última diretriz segue o fluxograma de acordo a gravidade do paciente (FIGURA).
A pneumonia comunitária deve ser tratada por 7-10 dias em quadros clínicos brandos e 10-14 (alguns autores citam 21) dias em casos mais graves. A tendência atual é diminuir estes tempos. Para isso, algumas regras devem ser obedecidas. O paciente deve estar afebril por, no mínimo, 3 dias. A pneumonia por micoplasma ou clamídía deve ser tratada sempre por 2 semanas (14 dias).
A ausência de resposta ao tratamento ou piora clínica/radiológica em 48 ou 72 horas é considerada como fracasso precoce. Quando ocorre piora do quadro clínico após as 72 horas iniciais de tratamento é considerada falha tardia.
Espera-se que o paciente com pneumonia bacteriana responda aos antibióticos, tornando-se afebril em até 72h. O estado geral melhora rápido, porém os achados do exame físico podem demorar semanas para resolver, e o infiltrado radiológico 4-8 semanas.
Caso o paciente não responda aos antibióticos, existem cinco possibilidades: (1) a bactéria é resistente ao esquema utilizado, (2) existe coleção purulenta (empiema, abscesso) ou uma pneumonia obstrutiva, (3) trata-se de um germe não coberto: Mycobacterium tuberculosis, Pneumocystis jiroveci, fungo, Nocardia asteroides, Actinomyces israelii, etc.. (4) febre do antibiótico, (5) o infiltrado não é infeccioso – TER vasculíte, colagenose, BOOP, pneumonia eosinofílica, etc. A melhor conduta é indicar a broncofibroscopia com coleta de material (LBA ou ECP) para cultura quantitativa (ver anteriormente), BAAR (Ziehl-Neelsen), coloração para P. jiroveci e fungos (prata), e, nos casos duvidosos, biópsia transbrônquica. O anti-HIV deve ser pesquisado. Se com esses métodos o diagnóstico não for dado e o paciente permanecer doente, devemos partir para a biópsia toracoscopia-guiada ou a céu aberto.
PROFILAXIA
VACINA ANTI-INFLUENZA (vírus inativado)
Todas as pessoas com mais de 60 anos. indivíduos com alto risco para complicações do influenza, contatos íntimos de pessoas com alto risco e profissionais de saúde.
Alto risco para influenza: Doença cardiovascular, renal, hepática ou pulmonar crônica (incluindo asma), doença metabólica crônica (incluindo diabetes), hemoglobinopatias, gestantes, imunocomprometidos por doença ou medicamento (HIV, pós-transplante). indivíduos com menos de 18 anos em tratamento crônico com aspirina.
VACINA ANTIPNEUMOCÓCICA
Indicada em pacientes com 60 anos ou mais, necessitando de dose de reforço 5 anos após, e em situações especiais de alto risco. Pessoas que receberam a primeira dose após os 65 anos e/ou que não têm asplenia/imunodepressão não necessitam reforço.
Alto risco para pneumococo: Doença cardiovascular, renal, hepática e pulmonar crônica, diabetes mellitus, fístula liquórica. alcoolismo, asplenia, imunocomprometidos por doença ou medicamento.
COMPLICAÇÕES
O derrame pleural parapneumônico ocorre em 20-70% dos casos, sendo mais comum na pneumonia estafilocócica e por anaeróbios. O derrame pleural é considerado um sinal de pior prognóstico, acarretando maior morbimortalidade. O derrame complicado e o empiema devem ser abordados com toracostomia mais drenagem com tubo em selo d’água. A septação pleural é uma evolução comum do derrame complicado ou do empiema pleural, se estes forem inadequadamente drenados. O encarceramento pulmonar é uma complicação possível. Na incidência em perfil, um derrame pleural com altura ≥ 5 cm no recesso costofrênico posterior deve ser submetido à toracocentese diagnóstica.
A pneumonia necrosante, definida como a presença de cavitações < 2 cm ou de abscesso pulmonar (cavidades > 2 cm com nível hidroaéreo), é uma evolução comum nas pneumonias por S. aureus, Gram-negativos entéricos ou anaeróbios. A formação de bronquiectasias pode ocorrer como complicação tardia das pneumonias necrosantes, especialmente se houver obstrução brônquica. Outras complicações: sepse, choque séptico, pneumotórax, atelectasia por rolha de secreção, etc.
REFERÊNCIAS
Diretrizes brasileiras para pneumonia adquirida na comunidade em adultos imunocompetentes – J Bras Pneumol. 2009;35(6):574-601, 2009.
Clínica Médica da USP 2ª Ed.
LONGO, et al. Harrison’s Principles of Internal Medicine. 19th ed. New York: McGraw-Hill, 2017.