Pneumonia na pediatria

INTRODUÇÃO

Quadro genérico de ”inflamação do parênquima pulmonar”.
Fatores de risco para morbidade < 2 anos:
→ Idade menor que nove meses
→ Número de pessoas no domicílio, escolaridade e ausência paterna
→ Idade materna < 20 anos. berçário e creches
→ Peso ao nascer < 2.500 g
→ Desnutrição (peso/idade)
→ Falta de aleitamento materno
→ História prévia de pneumonia
→ Doenças pulmonares pré-existentes (asma, fibrose cística)
→ Alterações anatômicas, como fístulas traqueoesofágicas
→ Refluxo gastroesofágico
→ Doenças neurológicas (encefalopatia crônica não progressiva)
→ Imunodeficiências congênitas ou adquiridas

EPIDEMIOLOGIA

A maioria das crianças tem de 4 a 6 infecções respiratórias agudas por ano, principalmente nas áreas urbanas. Essas infecções correspondem a 1/4 de todas as doenças e mortes entre crianças nos países em desenvolvimento. Cerca de 2 a 3% das infecções respiratórias agudas evoluem para infecção do parênquima pulmonar, das quais 10 a 20% evoluem para óbito, contabilizando 1,2 milhão de óbitos por ano.

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

ETIOLOGIA DA PNEUMONIA COMUNITÁRIA
Idade Patógeno
Até 2 meses Estreptococo do grupo B, enterobactérias, Listeria monocytogenes, Chlamydia trachomatis, Staphylococcus aureus, vírus
De 2 a 6 meses Chlamydia trachomatis, vírus, germes da pneumonia afebril, Streptococcus pneumonia afebril, Staphylococcus aureus, Bordetella pertussis
De 7 meses a 5 anos Vírus, Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae, Staphylococcus aureus, Mycoplasma pneumoniae, Mycobacterium tuberculosis
> 5 anos Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia pneumoniae, Streptococcus pneumoniae, Mycobacterium tuberculosis

Tabela: SBP 4ª Ed.

PNEUMONIA BACTERIANA

Incomum na ausência de uma doença crônica subjacente, como fibrose cística ou imunodeficiência. Com frequência, uma doença respiratória viral precede a pneumonia bacteriana em alguns dias.

PNEUMONIA PNEUMOCÓCICA

Grande susceptibilidade na criança devido a: resposta imunogênica contra os polissacarídeos capsulares não é boa antes de 2 anos, e 90% das crianças possuem este germe na microbiota de suas vias aéreas superiores.

PNEUMONIA ESTREPTOCÓCICA

Tende a complicar as infecções virais como sarampo e a varicela. A escarlatina pode ocorrer simultaneamente.

PNEUMONIA ESTAFILOCÓCICA

História de furunculose ou outras afecções dermatológicas, internação recente, trauma, infecção supurada a distância, como osteomielite, ou outras doenças de base devem alertar para a possibilidade deste diagnóstico. Geralmente, causam broncopneumonia confluente com extensas áreas de necrose hemorrágica e áreas irregulares de cavitação. Uma pneumonia de início abrupto com rápida progressão dos sintomas deve ter o S. aureus incluído na lista de agentes etiológicos mais prováveis.

PNEUMONIA POR HAEMOPHILUS INFLUENZA

O H. influenzae tipo b é causa frequente de infecção bacteriana grave em lactentes que não receberam a vacina anti-Haemophilus. A infecção nasofaríngea precede quase todas as variedades clínicas de doença por H. influenzae.

PNEUMONIA POR MYCOPLASMA

As infecções por M. pneumoniae não são muito contagiosas e ocorrem pela propagação de gotículas da via respiratória, com período de incubação de uma a três semanas. Atualmente, em crianças acima de 5 anos, o Mycoplasma pneumoniae e a Chlamydia pneumoniae são as principais causas bacterianas das pneumonias comunitárias.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Os principais sinais e sintomas da PAC são febre, tosse, frequência respiratória elevada (taquipneia) e dispneia, de intensidades variáveis. Sintomas gripais são comuns, bem como otite média. Algumas crianças apresentam dor abdominal, principalmente quando há envolvimento dos lobos pulmonares inferiores.
Nas crianças pequenas, dificilmente se encontram alterações localizadas à ausculta respiratória. Na ausência de sibilância, as crianças com tosse e FR elevada (taquipneia) devem ser classificadas como tendo PAC. Os seguintes pontos de corte para taquipneia são utilizados:
– < 2 meses: FR ≥ 60 irpm;
– 2 a 11 meses: FR ≥ 50 irpm;
– 1 a 4 anos: FR ≥ 40 irpm.

INDICAÇÃO DE INTERNAÇÃO

Segundo a OMS, indicam internação hospitalar imediata do paciente os sinais em crianças menores de 2 meses: FR ≥ 60 irpm, tiragem subcostal, febre alta, recusa do seio materno por mais de 3 mamadas, sibilância, estridor em repouso, sensório alterado com letargia, sonolência anormal ou irritabilidade excessiva. Entre as maiores de 2 meses de vida, os sinais são: ­tiragem subcostal, estridor em repouso, recusa de líquidos, convulsão, alteração do sensório e vômito de tudo que lhe é oferecido.

PNEUMONIA VIRAL

A maioria das pneumonias virais é precedida por vários dias de sintomas respiratórios, como tosse, coriza e obstrução nasal. Febre costuma ser mais baixa que na pneumonia bacteriana. Na infecção grave pode ocorrer cianose e dificuldade respiratória. Prognóstico geralmente é bom.

PNEUMONIA PNEUMOCÓCICA

Lactentes: infecção leve do TRS, caracterizada por obstrução nasal, irritabilidade e redução do apetite, geralmente precede e dura vários dias, termina com início abrupto de febre de 39ºC, inquietude, apreensão e dificuldade respiratória (batimento de asa de nariz, retrações subcostais, taquicardia e taquipneia). O exame físico é variável, podendo-se encontrar distensão abdominal, devido ao ar deglutido ou íleo paralítico ou rigidez de nuca sem infecção meníngea.
Crianças e adolescentes: os sinais e sintomas são semelhantes aos dos adultos. Após uma infecção respiratória alta leve e breve, há o início de calafrios seguidos por febre de até 40,5ºC. Os achados torácicos incluem retrações, batimento de asas do nariz, macicez, murmúrio vesicular diminuído e estertores crepitantes no lado afetado. Os sinais clássicos de consolidação são observados do segundo ao terceiro dia da doença e se caracterizam por macicez à percussão, aumento do frêmito, sopro tubário e o desaparecimento dos estertores. Pode haver derrame pleural concomitante.

PNEUMONIA ESTREPTOCÓCICA

São semelhantes às da pneumonia pneumocócica.

PNEUMONIA ESTAFILOCÓCICA

Assim como em outras pneumonias, uma infecção do trato respiratório superior pode preceder a pneumonia estafilocócica em uma semana. Em seguida, de maneira abrupta, a condição do lactente muda, com o início de febre alta, tosse e evidências de dificuldade respiratória. Algumas crianças apresentam distúrbios gastrointestinais associados, caracterizados por vômitos, anorexia, diarreia e distensão abdominal secundária a íleo paralítico. Uma progressão rápida dos sintomas é típica. A febre pode persistir por mais de duas semanas, a despeito da antibioticoterapia adequada.

PNEUMONIA POR HAEMOPHILUS INFLUENZA

As pneumonias geralmente têm um padrão lobar, embora não haja um padrão radiológico típico. A pneumonia por Haemophilus influenzae também pode cursar com empiema. O início é insidioso e o quadro costuma prolongar-se por várias semanas. As complicações são frequentes, sobretudo nos lactentes pequenos, como bacteremia, pericardite, celulite, empiema, meningite e pioartrose.

PNEUMONIA POR MYCOPLASMA

Se caracteriza por início gradual de cefaleia, mal-estar, febre, rinorreia e dor de garganta; coriza é incomum. Com a progressão dos sintomas respiratórios baixos, aparece rouquidão e tosse. Esta costuma piorar durante as duas primeiras semanas da doença e, então, todos os sintomas remitem gradualmente dentro de três a quatro semanas. Se não houver complicações, a cura é sempre completa. Complicações podem ocorrer, como otite média, pericardite, miocardite, meningoencefalite, eritema nodoso e síndrome de Stevens-Johnson.

CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA

CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA DA GRAVIDADE DE PNEUMONIAS (2 meses a 5 anos)
Sinal ou Sintoma Classificação
Sinais de gravidade: recusa de líquidos, convulsões, sonolência excessiva, estridor em repouso, desnutrição grave, batimento de asa do nariz e cianose Pneumonia muito grave
Tiragem subcostal Pneumonia grave
Respiração rápida
≥ 60 irpm em < 2 meses
≥ 50 irpm de 2 meses a 1 ano
≥ 40 irpm de 1 a 4 anos
Pneumonia
Estertores crepitantes à ausculta pulmonar Pneumonia

Em menores de 2 meses, são considerados sinais de doença muito grave: recusa alimentar, convulsões, sonolência excessiva, estridor em repouso, febre ou hipotermia, além da tiragem subcostal grave.

EXAMES COMPLEMENTARES

A radiografia deve ser realizada nas incidências posteroanterior e lateral.

BRONCOPNEUMONIAS

Mais frequente devido ao S. aureus, sendo comum encontro de pneumatoceles ou derrame pleural. Quadro radiológico multiforme, as lesões não respeitam a segmentação pulmonar.

PNEUMONIAS LOBARES

Comprometem homogeneamente um lobo, lobos ou segmentos pulmonares. Geralmente são causados pelo pneumococo.

PNEUMONIAS INTERSTICIAIS

Geralmente causadas por vírus ou Mycoplasma, apresentando-se com sinais de aumento da trama broncovascular, espessamento peribrônquico e hiperinsuflação.

PNEUMONIA PNEUMOCÓCICA

Leucometria elevada, com predomínio de polimorfonucleares. O escarro é pouco útil devido a alta taxa de colonização da nasofaringe por germes patogênicos. O germe pode ser isolado da hemocultura em até 30% dos casos, mas a positividade do líquido pleural é maior (50%). As alterações radiográficas nem sempre correspondem às observações clínicas. Classicamente, o padrão é pneumonia lobar com hepatização, mas pode haver disseminação pela parede bronquiolar ou por via hematogênica com broncopneumonia. O pneumococo é o principal agente causal de derrame pleural. Empiema aparece principalmente quando o início da antibioticoterapia é retardado. Pneumatoceles não são incomuns.

PNEUMONIA ESTREPTOCÓCICA

A elevação do título de antiestreptolisina sérica é uma evidência em favor da infecção estreptocócica, porém o diagnóstico definitivo requer o isolamento do micro-organismo no líquido pleural, sangue ou aspirado pulmonar. As radiografias de tórax geralmente mostram broncopneumonia difusa, muitas vezes com um grande derrame pleural. A resolução radiológica pode demorar até 10 semanas. Pneumatoceles também podem ocorrer.

PNEUMONIA ESTAFILOCÓCICA

No lactente maior e na criança, pode haver leucocitose > 20.000/mm3, com predomínio polimorfonuclear; no lactente pequeno, a leucometria pode estar normal. O achado de estafilococos na nasofaringe não tem valor diagnóstico, porém a hemocultura pode ser positiva (em 5-10% dos casos). Uma rápida progressão de broncopneumonia para derrame ou piopneumotórax com ou sem pneumatoceles é altamente sugestiva de pneumonia estafilocócica. Pneumatoceles ocorrem em 30% dos casos; e derrame pleural, em 50%. Pode haver formação de abscesso pulmonar.

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

O diagnóstico de PAC é eminentemente clínico, dispensando a realização de radiografia de tórax, que só é recomendada nos casos graves que demandam internação.
O diagnóstico microbiológico só é indicado nos casos de PAC grave, em crianças internadas ou quando a evolução do paciente é desfavorável. O exame microbiológico é recomendado nos casos de derrame pleural que permita ser puncionado. A positividade do líquido pleural pode alcançar até 70% antes do início da antibio­ticoterapia. A cultura do escarro tem pouca utilidade prática, por não diferenciar infecção de colonização.
Os métodos invasivos, como broncoscopia, lavado broncoalveolar e biópsias pulmonares, seriam indicados em situações excepcionais, quando a evolução da PAC for desfavorável.

PNEUMONIA VIRAL

Radiografia com infiltrados difusos, padrão intersticial, podendo ser acompanhados de hiperinsuflação. Leucometria normal ou pouco elevada, com predomínio linfocitário.

PNEUMONIA BACTERIANA

Em geral, consolidação alveolar, pneumatoceles, derrames pleurais e abscessos sugerem etiologia bacteriana. O leucograma, em geral, nas PAC bacterianas mostra leucocitose, neutrofilia e ocorrência de formas jovens. A eosinofilia ≥ 300 células/mm3 pode ocorrer na maioria dos pacientes com infecção por C. trachomatis.
A PAC bacteriana poderia ser suspeitada quando a proteína C reativa (PCR) for ≥ 40 a 100 mg ou quando houver níveis ≥ 0,75 a 2 ng/mL de procalcitonina.

TRATAMENTO

Apesar de a maioria das crianças poder ser tratada ambulatorialmente, o tratamento deverá ser hospitalar nas seguintes situações:
→ menores de 2 meses;
→ presença de tiragem subcostal;
→ ocorrência de convulsões;
→ sonolência excessiva;
→ estridor em repouso;
→ desnutrição grave;
→ ausência de ingestão de líquidos;
→ sinais de hipoxemia;
→ presença de comorbidades (anemia, cardiopatias, pneumopatias);
→ problemas sociais;
→ falha na terapêutica ambulatorial;
→ complicações radiológicas (derrame pleural, pneumatocele, abscesso pulmonar).

PNEUMONIA VIRAL

Medidas de suporte. Pode ser necessário reposição hídrica, oxigênio ou ventilação assistida. Drogas disponíveis: amantadina, rimantadina, oseltamivir, zanomivir (influenza) e ribavirina (VSR).

PNEUMONIA BACTERIANA

Além do uso adequado dos antimicrobianos, algumas recomendações são importantes: manter alimentação da criança, particularmente o aleitamento materno, aumentar a oferta hídrica e manter narinas desobstruídas. Além disso, a criança hospitalizada pode necessitar de uso de broncodilatadores, hidratação venosa, correção de distúrbios hidroeletrolíticos, oxigenoterapia, entre outros cuidados.

LACTENTES MENORES DE 2 MESES

As crianças menores de 2 meses devem sempre ser hospitalizadas. O esquema antibiótico deve incluir associação de penicilina ou ampicilina com aminoglicosídeo (amicacina, gentamicina ou tobramicina). Nos menores de 2 meses, após 1ª semana de vida, o esquema antibiótico pode incluir ceftazidima associada à ampicilina, se houver possibilidade de envolvimento do SNC.
A oxacilina deverá ser associada, se houver evidência de infecção estafilocócica. Também nessa faixa etária, é importante considerar a C. trachomatis, principalmente nos pacientes com doença insidiosa, afebris, com tosse coqueluchoide e história de parto vaginal. Nessa situação, a eritromicina ou outro macrolídeo deverá ser a droga de escolha.

LACTENTES E PRÉ-ESCOLARES (2 MESES A 5 ANOS)

As crianças sem tiragem subcostal ou sinais de gravidade devem ser tratadas ambulatorialmente. As drogas de escolha são: amoxicilina ou penicilina procaína, considerando-se que o S. pneumoniae é o agente etiológico mais provavelmente envolvido. Recomenda-se que essas crianças sejam reavaliadas após 48 a 72 horas para analisar a resposta à antibioticoterapia. É importante considerar a C. trachomatis nas crianças menores de 6 meses que apresentam quadro insidioso, podendo-se utilizar os macrolídeos.
As crianças que apresentam tiragem devem ser hospitalizadas e receber penicilina cristalina ou ampicilina. Crianças com sinais de gravidade devem ser hospitalizadas e iniciado ceftriaxona associada à oxacilina. Aquelas com suspeita de estafilococcia devem receber oxacilina; se não houver, pode-se optar por amoxicilina + clavulanato ou cefuroxima. Nas suspeitas clínicas de M. pneumoniae ou C. pneumoniae, deve-se utilizar macrolídeos.

CRIANÇAS E ADOLESCENTES ENTRE 5 E 15 ANOS

Em pacientes com doença mais aguda, as penicilinas devem ser a primeira escolha. Caso sinais de resistência intermediária por pneumococo é indicado cefalosporina de 2ª geração (cefuroxima). Se houver quadro clínico insidioso, considerar Mycoplasma pneumoniae e optar pelo uso de macrolídeos (claritromicina ou azitromicina).

PREVENÇÃO

O Brasil dispõe de vacina antipneumocócica e anti-Haemophilus influenzae tipo b.

COMPLICAÇÕES

Principais complicações das PAC:
→ Abscesso, o agente mais frequente é o S. pneumoniae
→ Atelectasia (tratamento com fisioterapia)
→ Pneumatocele
→ Pneumonia necrosante
→ Derrame pleural
→ Pneumotórax
→ Fístula broncopleural
→ Hemoptise
→ Septicemia
→ Bronquiectasia
→ Infecções associadas (otite, sinusite, conjuntivite, meningite, osteomielite)

REFERÊNCIAS

Burns, DAR et al. Tratado de Pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria. 4ª Ed. Barueri, São Paulo: Manole, 2017.

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