Pneumonia nosocomial

INTRODUÇÃO

PNEUMONIA HOSPITALAR (PH)

A PH é aquela que ocorre após 48 horas da admissão hospitalar, geralmente tratada na unidade de internação, não se relacionando à intubação endotraqueal (IOT) e ventilação mecânica VM; a PH pode ser tratada em CTI, quando se apresenta ou evolui de forma grave. Devemos também classificar a PH em precoce (até o 4º dia de internação) e tardia (após o 5º dia de internação). Essa denominação traz importantes diferenças em relação à etiologia e abordagem.

PNEUMONIA ASSOCIADA À VENTILAÇÃO MECÂNICA (PAVM)

A PAVM é aquela que surge a partir de 48-72h após intubação endotraqueal e instituição da VM invasiva. Também é classificada em precoce (até o quarto dia de intubação) e tardia (iniciada após o quinto dia da intubação e VM).

PNEUMONIA RELACIONADA A CUIDADOS DE SAÚDE

É a pneumonia que ocorre em pacientes com as seguintes características: residentes em asilos ou tratados em sistema de internação domiciliar, pacientes que receberam antimicrobianos por via endovenosa ou quimioterapia nos 30 dias precedentes à atual infecção, pacientes em terapia renal substitutiva e aqueles que foram hospitalizados em caráter de urgência por dois ou mais dias nos últimos 90 dias antes da infecção.

TRAQUEOBRONQUITE HOSPITALAR

Caracteriza-se pela presença dos sinais de pneumonia, sem a identificação de opacidade radiológica nova ou progressiva, descartadas outras possibilidades diagnósticas que possam justificar tais sintomas, sobretudo a febre. O isolamento de germes em culturas, dissociado dos sinais, não permite o diagnóstico de traqueooronquite hospitalar, não devendo servir de estímulo à introdução de antibióticos, ou eventual modificação da terapêutica vigente.

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

É fundamental lembrar que a microbiota de cada hospital, até mesmo dentro dos diversos setores do hospital, varia enormemente. Por isso, todas as diretrizes servem apenas como guias.
A principal via de inoculação da bactéria no parênquima pulmonar costuma ser a mesma da pneumonia comunitária – microaspiração do material da orofaringe, porém a flora bacteriana colonizadora geralmente está modificada.
As doenças debilitantes e as condições de estresse agudo estão associadas à presença de uma protease na saliva capaz de degradar a fibronectina, uma proteína que reveste o epitélio da orofaringe, servindo de receptor para as bactérias Gram-positivas. Isso permite a exposição de receptores epiteliais para Gram-negativos, que então passam a predominar sobre a flora antiga,

PNEUMONIA ASSOCIADA À VENTILAÇÃO MECÂNICA

A intubação traqueal por si só aumenta sobremaneira o risco de pneumonia nosocomial, principalmente pelo fato de anular a barreira natural das vias aéreas superiores contra os patógenos. O paciente intubado logo toma-se colonizado por Gram-negativos entéricos em sua árvore traqueobrônquica (vias aéreas inferiores). Na face interna do tubo endotraqueal forma-se um biofilme bacteriano que pode ser a fonte de microêmbolos infectantes para os alvéolos pulmonares. O mecanismo principal de inoculação pulmonar – a microaspiração de material da orofaringe – é mantido. O material aspirado se acumula no espaço subglótico ao redor do tubo, logo acima do balonete endotraqueal, constituindo um excelente meio de cultura para bactérias. Como existe um certo grau de vazamento entre o balonete endotraqueal e a parede da traqueia, uma pequena quantidade deste material pode atingir as vias aéreas interiores e causar pneumonia.
A inalação de aerossóis contaminados, usados para terapia respiratória ou em anestesiología, é porta de entrada de bactérias para as vias aéreas inferiores. Os fluidos veiculados sob a forma de aerossóis nos circuitos de terapêutica ínalatória podem albergar grandes concentrações bacterianas, chegando às pequenas vias aéreas. Este fato é mais grave nos pacientes com traqueostomia ou sob intubação translaríngea, pela facilidade de acesso direto às vias aéreas inferiores.
A Pseudomonas aeruginosa é o principal agente etiológico da pneumonia ventilação mecânica-associada. Esta bactéria tem uma característica especial: é um micro-organismo com exigência nutricional e metabólica mínimas, resistindo diversos dias no meio ambiente, principalmente em soluções aquosas. Portanto, pode se proliferar na água que se acumula no circuito do respirador ou no recipiente de macronebulização. Durante a ventilação mecânica, a bactéria é aerossolizada e inoculada diretamente nos alvéolos pulmonares, desencadeando a pneumonia. Uma medida preventiva essencial é não deixar a água se acumular no circuito do respirador e nunca permitir o seu escoamento para o tubo endotraqueal.

Agentes Etiológicos – Pneumonia Nosocomial
Gram-negativos entéricos (60% dos casos)
Família Enterobacteriaceae – 30-40% dos casos

  • Escherichia coli
  • Klebsiella pneumoniae
  • Serratia marcescens
  • Pseudomonas aeruginosa – 15-20% dos casos
  • Acinetobacler spp.
Estafilococo (15-25% dos casos)

  • Staphylococcus aureus
Anaeróbios (35% dos casos – pneumonia aspirativa)

  • Peptostreptococcus (14%)
  • Peptococcus (11%)
  • Bacteroides melaninogenicus (9%)
  • Bacteroides fragilis (8%)
  • Fusobacterium (10%)
Polimicrobiana (30-40% dos casos)

  • Gram-positivo + Gram-negativo Anaeróbio + aeróbio
Outros (< 10% dos casos)

  • Streptococcus pneumoniae – 5-8% dos casos
  • Haemophilus influenzae – 6% dos casos
  • Legionella pneumophila – 5% dos casos (em algumas instituições)
  • Vírus (influenza, parainfluenza)

DIAGNÓSTICO

HISTÓRIA CLÍNICA

O quadro clínico da pneumonia nosocomial pode não ser tão rico quanto o da pneumonia comunitária. Muitos destes pacientes são idosos ou apresentam uma doença debilitante, ou estão imunodeprimidos, ou estão com rebaixamento do nível de consciência, seja pela própria doença de base, seja pelo uso de sedativos.

EXAMES COMPLEMENTARES

Exames complementares na PAH:
– Exames gerais: hemograma, bioquímica, gasometría arterial, perfis renal e hepático;
– Duas amostras de hemocultura;
– Proteína C-reativa (PCR);
– Procalcitonina (PCT);
– Radiografia (RX) de tórax;
– tomografia computadorizada (TC) de tórax;
– ultrassonografia (USG) de tórax;
– Bacteriologia com cultura quantitativa.
Os exames gerais auxiliam na avaliação da disfunção orgânica e têm implicações na definição do prognóstico.
Duas amostras de sangue devem ser colhidas com intervalo de 30 min, para posterior hemocultura, antes da introdução de antibióticos. A identificação simultânea de um mesmo patógeno, em hemoculturas e no lavado broncoalveolar (LBA), ou no líquido pleural, constitui-se em certeza no diagnóstico etiológico.
A dosagem da PCR tem sido usada no diagnóstico de sepse em diferentes situações clínicas. A PCT também vem sendo estudada, pois níveis séricos estão elevados em infecções bacterianas graves e sepse.

EXAME RADIOLÓGICO

Em pacientes graves, é muito utilizada a técnica da radiografia portátil com incidência AP (RX no leito). O RX realizado no leito apresenta uma série de limitações que podem comprometer a sua interpretação.
A tomografia computadorizada (TC) de tórax pode ser mais eficiente no reconhecimento de opacidades pulmonares, especialmente na SDRA. Entretanto, a sua utilização é dificultada pelo próprio método.
A ultrassonografia (USG) de tórax pode ser usada para esclarecimento de alterações principalmente de consolidações. A USG pode também ser usada no reconhecimento e na toracocentese de derrames. A toracocentese deve ser realizada em pacientes com derrame pleural significativo, para fins diagnósticos, tendo particular valor na identificação de empiema e complicações hemorrágicas.

BACTERIOLOGIA

O paciente que se encontra internado há mais de 48-72h, com o estado de saúde comprometido, frequentemente possui a orofaringe e a árvore traqueobrônquica proximal colonizadas por bactérias Gram-negativas. Se o material coletado das vias aéreas inferiores for levado para cultura, a especificidade bacteriológica é de apenas 25%.
Contudo, há uma forma de se valorizar a bacteriologia da secreção traqueobrônquica do paciente: fazendo a cultura quantitativa. Quando o número de bactérias é muito grande na secreção colhida, há um grande aumento da especificidade, alcançando a faixa dos 80%.
A elaboração diagnóstica pode ser feita através de estratégia clínica ou estratégia bacteriológica. A chamada estratégia clínica inclui o início de antibioticoterapia empírica, colhendo-se apenas o aspirado endotraqueal. Já a estratégia bacteriológica (ou etiológica) é feita através da coleta da secreção das vias aéreas inferiores pela broncofibroscopia. Nesta última, a investigação pode ser feita por meio de testes não invasivos ou invasivos.

BIÓPSIA PULMONAR

A biópsia pulmonar com análise histopatológica e cultura do fragmento é o exame considerado padrão-ouro para a pneumonia nosocomial.  Porém, este exame raramente é realizado, dado o alto risco de complicações da biópsia pulmonar em pacientes gravemente enfermos, inclusive de mortalidade.

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

A suspeita clínica se baseia no aparecimento de infiltrado pulmonar novo ou progressivo à radiografia do tórax, associado à presença de sinais e alterações laboratoriais, tais como: 1) febre (> 38ºC), 2) leucocitose (> 10.000/mm3) ou leucopenia ( < 4.000/mm3) e 3) secreção traqueal purulenta. A utilização dos três critérios associados ao critério radiológico acarreta uma sensibilidade inferior a 50%, enquanto que a utilização de apenas um dos critérios incorre em redução da especificidade para menos de 35%.
A utilização apenas de critérios clínicos pode incorrer em significativo número de tratamentos desnecessários e erros de avaliação diagnóstica. Isso se deve, em parte, à significativa ocorrência de outras doenças, cuja apresentação e sinais podem ser similares.

TRATAMENTO E MANEJO

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO

A antibioticoterapia deve ser prontamente iniciada sempre que houver uma forte suspeita clínica de pneumonia nosocomial, pois o seu retardo pode se associar a pior prognóstico. A coleta do material para bacterioscopia e cultura deve ser feita de imediato, sem atrasar o início da terapia (especialmente nos pacientes em estado grave ou instável). A terapia inicialmente é empírica. O que vai nortear a escolha dos antibióticos é o conhecimento dos prováveis agentes etiológicos daquele paciente e do perfil de resistência das bactérias naquele hospital, segundo dados da CCIH (comissão de infecção hospitalar).
A antibioticoterapia empírica pode ser modificada após o resultado das culturas, geralmente com 48-72h de tratamento. Neste caso, pode ocorrer tanto um aumento do espectro (se crescerem bactérias não cobertas adequadamente pelo esquema inicial), quanto uma redução do espectro (se crescer uma bactéria coberta por um dos antibióticos iniciais que pode ser tratada com monoterapía).
A resposta terapêutica é relativamente rápida, ocorrendo dentro das primeiras 72h da antibioticoterapia.

BAIXO RISCO

Como determina o algoritmo abaixo, podemos incluir um betalactâmico + inibidor de betalactamases sem ação contra Pseudomonas sp. (amoxicílina-sulbactam, ampicilina-sulbactam, amoxicilina-clavulanato) ou uma fluoroquinolona (Levofloxacino ou Moxifloxacino). Embora as cefalosporinas de terceira geração possam ser utilizadas neste grupo, recomenda-se cautela, uma vez que o risco de K. pneumoniae e E. coli, produtoras de betalactamases de espectro estendido, tem aumentado nos últimos anos, especialmente com o uso abusivo de cefalosporinas.

ALTO RISCO

Como determina o algoritmo abaixo, O esquema de tratamento empírico deve incluir agentes antipseudomonas como betalactâmicos + inibidor de betalactamase (Piperacilina + Tazobactan), Cefepime, Meropenem ou quinolona antipseudomonas (ciprofloxacino). Pode-se ou não associar um agente antiestafilocócico, na dependência do contexto clínico e da unidade onde o paciente está sendo tratado. Os glicopeptídeos (Vancomicina e Teicoplamina) e as oxazolidonas (Linezolída) são as opções de tratamento para S. aureus Oxa-R.  Os aminoglicosídeos e monobactâmicos não devem ser usados isoladamente.

REFERÊNCIAS

Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Diretrizes brasileiras para pneumonia adquirida na comunidade em adultos imunocompetentes. J Bras Pneumol. 2009;35(6):574-601,  2009.
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Diretrizes brasileiras para tratamento das pneumonias adquiridas no hospital e das associadas à ventilação mecânica, J Bras Pneumol. 33(Supl 1):S 1-S 30,  2007
Clínica Médica da USP 2ª Ed.

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