INTRODUÇÃO
A síndrome de Guillain-Barré (SGB), em sua apresentação clássica, é uma doença monofásica, com déficit motor progressivo, de instalação aguda em até 4 semanas, relativamente simétrica, ascendente, acompanhada de hiporreflexia ou arreflexia, com ou sem alteração sensitiva objetiva.
EPIDEMIOLOGIA
Síndrome de Guillain-Barré (SGB) é a maior causa de paralisia flácida generalizada no mundo com incidência anual de 1-4 por 100.000 habitantes e pico entre 20-40 anos de idade. Não existem dados epidemiológicos específicos para o Brasil.
Aproximadamente 60%-70% dos pacientes com SGB apresentam alguma doença aguda precedente (1-3 semanas antes), sendo a infecção por Campylobacter jejuni a mais frequente delas (32%), seguida por citomegalovírus (13%), vírus Epstein Barr (10%) e outras infecções virais, tais como hepatites por vírus tipo A, B e C, influenza e HIV. Pós vacinas de influenza.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
Estudos animais com o uso de anticorpos e fragmentos bacterianos de pacientes doentes comprovaram a existência de um mimetismo molecular entre lipopolissacarídeos da bactéria Campylobacter jejuni e gangliosídeos axonais. Ainda não houve a mesma comprovação em relação às formas desmielinizantes. Contudo, já há evidência de que infecções com citomegalovírus e o vírus Epstein-Barr estão associados à forma desmielinizante e, as com o Campylobacter jejuni, com as formas axonais e Miller-Fisher.
Os gangliosídeos são componentes importantes das raízes nervosas e nervos periféricos motores e sensoriais e têm uma participação relevante na etiopatogênese da doença. Na forma desmielinizante (polineuropatia desmielinizante inflamatória aguda), anticorpos IgG se ligam à membrana externa das células de Schwann e induzem ativação do sistema complemento. Esta ativação forma o complexo de ataque à membrana, que acarreta vesiculação da mielina. Após cerca de 1 semana da lesão mielínica, há invasão de macrófagos para fagocitose desta.
Na neuropatia axônica motora aguda (NAMA) ocorre formação dos anticorpos GMI, GDI e GM1b, que atuam no axolema dos nódulos de Ranvier dos nervos motores, raízes anteriores e na porção terminal da placa motora dos axônios, ativando o sistema complemento, o qual atrai numerosos macrófagos. Estas células inflamatórias abrem espaços periaxonais que são invadidos por um número ainda maior de macrófagos, levando à retração do axônio e em alguns casos à sua degeneração.
A neuropatia axônica motora e sensitiva aguda (NAMSA) possui uma fisiopatologia praticamente idêntica à da NAMA, exceto pelo fato de que o GMI atua tanto nos nódulos de Ranvier dos nervos motores quanto dos sensitivos.
Na síndrome de Miller Fisher (SMF), ocorre formação de anticorpo GQ1b, que por sua vez irá atuar na parte externa da membrana das células de Schwann paranodais, ativando o complemento e desenvolvendo uma vacuolização da mielina paranodal dos pares cranianos oculomotores (III, IV e VI), raízes dos nervos motores e sensitivos raquidianos, principalmente das extremidades inferiores, seguida de uma degeneração da mielina e posterior infiltração linfocitária.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A maioria dos pacientes percebe inicialmente a doença através de sensação de parestesias nas extremidades distais dos membros inferiores e, em seguida, superiores. Dor neuropática lombar ou nas pernas pode ser vista em pelo menos 50% dos casos. Fraqueza progressiva, bilateral e relativamente simétrica, tendo um caráter ascendente na maioria dos casos. Apesar da progressão ascendente, o déficit de força usualmente é de predomínio proximal. A intensidade pode variar desde fraqueza leve, que sequer motiva a busca por atendimento médico em nível primário, até tetraplegia completa com necessidade de ventilação mecânica (VM) por paralisia da musculatura respiratória acessória. Fraqueza facial ocorre na metade dos pacientes ao longo do curso da doença. Cerca de 5%-15% dos pacientes desenvolvem oftalmoparesia e ptose. A função esfincteriana é, na maioria das vezes, preservada, enquanto a perda dos reflexos miotáticos pode preceder os sintomas sensitivos até mesmo em músculos pouco afetados. Instabilidade autonômica é um achado comum, causando eventualmente arritmias importantes, mas que raramente persistem após 2 semanas.
A doença usualmente progride por 2-4 semanas. Pelo menos 50%-75% dos pacientes atingem seu nadir na segunda semana, 80%-92% até a terceira semana e 90%-94% até a quarta. Insuficiência respiratória com necessidade de VM ocorre em até 30% dos pacientes nesta fase. Progressão de sinais e sintomas por mais de 8 semanas exclui o diagnóstico de SGB, sugerindo então polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica (PDIC). Passada a fase da progressão, a doença entra num platô por vários dias ou semanas com subsequente recuperação gradual da função motora ao longo de vários meses. Entretanto, apenas 15% dos pacientes ficarão sem nenhum déficit residual após 2 anos do início da doença e 5%-10% permanecerão com sintomas motores ou sensitivos incapacitantes. Pacientes com SGB apresentam taxas de mortalidade de aproximadamente 5%-7%, geralmente resultante de insuficiência respiratória, pneumonia aspirativa, embolia pulmonar, arritmias cardíacas e sepse hospitalar.
Há variantes clínicas distintas da síndrome de Guillain-Barré:
→ Polirradiculoneuropatia inflamatória desmielinizante aguda: forma mais comum.
→ Neuropatia axonal aguda: forma mais grave, com lesão em axônio. Ocorre evolução mais rápida da fraqueza muscular. Pode ocorrer perda sensitiva.
→ Síndrome de Miller-Fisher: paciente apresenta oftalmoplegia e/ou ataxia associadas à arreflexia. Os sintomas alcançam um pico após 1 semana, havendo recuperação completa na maioria dos casos após 6 meses.
EXAMES COMPLEMENTARES
DIAGNÓSTICO ELETROFISIOLÓGICO
SGB é um processo dinâmico com taxa de progressão variável. O ideal seria examinar o paciente após a primeira semana do início dos sintomas quando as alterações eletrofisiológicas são mais evidentes e melhor estabelecidas. A ausência de achados eletrofisiológicos neste período não exclui a hipótese de SGB. No entanto, a exploração eletrofisiológica faz-se necessária para a exclusão de outras doenças neuromusculares. Faz a distinção entre as formas. Principais achados: alentecimento de condução nervosa não uniforme, ausência de ondas F, bloqueio de condução e dispersão temporal. Também apresenta valor prognóstico.
ANÁLISE DO LÍQUIDO CEFALORRAQUIDIANO
Em até 50% dos casos na primeira semana, e até 75% na terceira, pode haver dissociação proteinocitológica, que consiste em celularidade normal com níveis aumentados de proteínas. Entretanto, na primeira semana, a proteinorraquia pode ser normal em até 1/3 dos pacientes. Caso o número de linfócitos no líquido cefalorraquidiano (LCR) exceda 10 células/mm3, deve-se suspeitar de outras causas de polineuropatia, tais como sarcoidose, doença de Lyme ou infecção pelo vírus HIV.
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS
Os pacientes com SGB devem obrigatoriamente apresentar graus inequívocos de fraqueza em mais de um segmento apendicular de forma simétrica, incluindo musculatura craniana. Os reflexos miotáticos distais não podem estar normais. A progressão dos sinais e sintomas é de suma importância, não podendo ultrapassar 8 semanas; a recuperação ocorre em 2-4 semanas após a fase de platô. Febre e disfunção sensitiva são achados pouco frequentes, devendo levantar suspeita de uma etiologia alternativa, de causa provavelmente infecciosa.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Poliomielite, Paralisia por picada de carrapato, Botulismo, Difteria, Mielite transversa aguda, Sarcoidose, Doença de Lyme, infecção pelo HIV.
CONDUTA
Melhores cuidados são obtidos em centros terciários, com facilidades de cuidados intensivos e uma equipe de profissionais que estejam familiarizados com as necessidades especiais destes pacientes.
Monitorização de funções cardíaca e pulmonar:
→ ECG, medidas periódicas de PA e frequência cardíaca.
→ Avaliação periódica da capacidade de deglutição
→ Medidas periódicas da capacidade vital e gasometria
→ Intubação orotraqueal se: capacidade vital menor que 15 ml/kg, pO2 56 mmHg ou PCO2 48 mmHg.
→ Uso de marcapasso cardíaco temporário se bradicardia importante
Profilaxia de embolia pulmonar em pacientes que não deambulam, com anticoagulante profilático.
IMUNOTERAPIA
Plasmaférese deve ser feita até 7 dias após o início dos sintomas. Diminui a lesão nervosa e acelera a melhora clínica.
Imunoglobulina deve ser feita até 2 semanas após o início dos sintomas. Tem o mesmo benefício que a plasmaférese. Contraindicações: baixos níveis de IgA, insuficiência renal e hipertensão arterial grave.
REFERÊNCIAS
Brasil, Ministério da Saúde, Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Síndrome de Guillain-Barré. PORTARIA Nº 1171, DE 19 DE NOVEMBRO DE 2015.
Goldman, L; Ausiello, D. Cecil medicina. 23ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
Martins, MA; et al. Clínica médica, volume 6: doenças dos olhos, doença dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais, 2ª ed. Barueri, SP, Manole, 2016.
Santos, CMT; et al. Como diagnosticar e tratar Síndrome de Guillain-Barré. Grupo editorial Moreira Jr. 2004. disponível em: <http://www.moreirajr.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=2813>, acesso em 21-12-2017.