Síndromes medulares

INTRODUÇÃO

Síndrome medular é um conjunto de sintomas causados por dano em alguma parte da medula espinhal.

MEDULA ESPINHAL

A medula espinhal é uma massa cilindroi­de, de tecido nervoso, situada dentro do canal vertebral, sem entretanto ocupá-lo completamente. No homem adulto, mede aproximadamente 45 centímetros, sendo um pouco menor na mulher. Cranialmente, a medula limita-se com o bulbo, aproximadamente ao nível do forame magno do osso occipital. O limite caudal da medula tem importância clínica e, no adulto, situa-se geralmente na 2ª vértebra lombar (L2). A medula ter­mina afilando-se para formar um cone, o cone medular, que continua com um delgado filamento meníngeo, o filamento terminal.
A medula apresenta forma aproximadamente cilín­drica, sendo ligeiramente achatada no sentido antero­posterior. Seu calibre não é uniforme, pois apresenta duas dilatações denominadas intumescência cervical e intumescência lombar. Estas intumes­cências correspondem às áreas em que fazem conexão com a medula as grossas raízes nervosas que formam os plexos braquial e lombossacral, destinadas à inervação dos membros superiores e inferiores, respectivamen­te.
A superfície da medula apresenta os seguintes sulcos lon­gitudinais, que a percorrem em toda a extensão: sulco mediano posterior; fissura mediana anterior; sulco lateral anterior e sulco lateral posterior. Na me­dula cervical existe, ainda, o sulco intermédio posterior, situado entre o mediano posterior e o lateral posterior, e que continua em um septo intermédio posterior no in­terior do funículo posterior. Nos sulcos lateral anterior e lateral posterior fazem conexão, respectivamente, as raízes ventrais e dorsais dos nervos espinhais.
Na medula, a substância cinzenta localiza-se por dentro da branca e apresenta a forma de uma borbo­leta ou de um H. Nela distinguimos, de cada lado, três colunas que aparecem nos cortes como cornos e que são as colunas anterior, posterior e lateral. A coluna lateral, entretanto, só aparece na medula torácica e parte da medula lombar. No cen­tro da substância cinzenta localiza-se o canal central da medula (ou canal do epêndima), resquício da luz do tubo neural do embrião.
A substância branca é formada por fibras, a maior parte delas mielínicas, que sobem e descem na medula e podem ser agrupadas de cada lado em três funículos ou cordões, a saber:
→ funículo anterior – situado entre a fissura me­diana anterior e o sulco lateral anterior;
→ funículo lateral – situado entre os sulcos lateral anterior e lateral posterior;
→ funículo posterior – entre o sulco lateral poste­rior e o sulco mediano posterior, este último li­gado à substância cinzenta pelo septo mediano posterior. Na parte cervical da medula, o funí­culo posterior é dividido pelo sulco intermédio posterior em fascículo grácil e fascículo cunei­forme.
Nos sulcos lateral anterior e lateral posterior, fazem conexão pequenos filamentos nervosos denominados filamentos radiculares, que se unem para formar, res­pectivamente, as raízes ventral e dorsal dos nervos espinhais. As duas raízes, por sua vez, se unem para formar os nervos espinhais, ocorrendo essa união em um ponto situado distalmente ao gânglio espinhal que existe na raiz dorsal. A conexão com os nervos espinhais marca a segmentação da medula que, entretanto, não é completa, uma vez que não existem septos ou sulcos transversais sepa­rando um segmento do outro. Considera-se segmento medular de um determinado nervo a parte da medula onde fazem conexão os filamentos radiculares que entram na composição deste nervo. Existem 31 pares de nervos espinhais, aos quais correspondem 31 seg­mentos medulares assim distribuídos: oito cervicais, 12 torácicos, cinco lombares, cinco sacrais e, geral­mente, um coccígeo. Existem oito pares de nervos cervicais, mas somente sete vértebras. O primeiro par cervical (C1) emerge acima da 1 ª vértebra cervical, portanto entre ela e o osso occipital. Já o 8º par (C8) emerge abaixo da 7ª vértebra, o mesmo acontecendo com os nervos espinhais abaixo de C8, que emergem, de cada lado, sempre abaixo da vértebra correspon­dente.
No adulto, a medula não ocupa todo o canal ver­tebral, uma vez que termina no nível da 2ª vértebra lombar. Abaixo desse nível, o canal vertebral contém apenas as meninges e as raízes nervosas dos últimos nervos espinhais que, dispostas em tomo do cone me­dular e filamento terminal constituem, em conjunto, a chamada cauda equina.

ENVOLTÓRIOS DA MEDULA

A meninge mais externa é a dura-máter, formada por abundantes fibras colágenas que a tornam espes­sa e resistente. A dura-máter espinhal envolve toda a medula, como se fosse um dedo de luva, o saco dural. Cranialmente, a dura-máter espinhal continua com a dura-máter craniana, caudalmente termina em um fundo-de-saco no nível da vértebra S2. Prolonga­mentos laterais da dura-máter embainham as raízes dos nervos espinhais, continuando com o tecido con­juntivo (epineuro) que envolve estes nervos. Os orifícios necessários à passagem de raízes ficam então obliterados, não permitindo a saída de líquor.
A aracnoide espinhal se dispõe entre a dura-máter e a pia-máter. Compreende um folheto jus­taposto à dura-máter e um emaranhado de trabéculas, as trabéculas aracnóideas, que unem este folheto à pia-máter.
A pia-máter é a meninge mais delicada e mais interna. Ela adere intimamente ao tecido nervoso da superfície da medula e penetra na fissura mediana ante­rior. Quando a medula termina no cone medular, a pia­-máter continua caudalmente, formando um filamento esbranquiçado denominado filamento terminal. Este fi­lamento perfura o fundo-do-saco dural e continua cau­dalmente até o hiato sacral. Ao atravessar o saco dural, o filamento terminal recebe vários prolongamentos da dura-máter e o conjunto passa a ser denominado fila­mento da dura-máter espinhal. Este, ao inserir-se no periósteo da superfície dorsal do cóccix, constitui o ligamento coccígeo.
A pia-máter forma, de cada lado da medula, uma prega longitudinal denominada ligamento denticulado, que se dispõe em um plano frontal ao longo de toda a extensão da medula. A margem medial de cada ligamento continua com a pia-máter da face lateral da medula ao longo de uma linha con­tínua que se dispõe entre as raízes dorsais e ventrais. A margem lateral apresenta cerca de 21 processos triangulares, que se inserem firmemente na aracnoi­de e na dura-máter em pontos que se alternam com a emergência dos nervos espinhais. Os dois ligamentos denticulados são elementos de fixação da medula e importantes pontos de referência em certas cirurgias deste órgão.
Em relação às meninges que envolvem a medula, existem três cavidades ou espaços: epidural, subdural e subaracnóideo. O espaço epidural, ou extradural, situa-se entre a dura-máter e o periósteo do canal vertebral. Contém tecido adiposo e um grande nú­mero de veias que constituem o plexo venoso vertebral interno. O espaço subdural, situado entre a dura-máter e a aracnoide, é uma fenda estreita con­tendo pequena quantidade de líquido, suficiente apenas para evitar a aderência das paredes. O espaço subarac­nóideo é o mais importante e contém uma quantidade razoavelmente grande de líquido cerebroespinhal ou líquor.

ESTRUTURA DA MEDULA ESPINHAL

SUBSTÂNCIA CINZENTA

A substância cinzenta da medula tem a forma de borboleta ou de um H. Existem vários critérios para a divisão desta substância cinzenta. Um deles considera duas linhas que tangenciam os con­tornos anterior e posterior do ramo horizontal do H, dividindo a substância cinzenta em coluna anterior, coluna posterior e substância cinzenta intermédia. Por sua vez, a substância cinzenta intermédia pode ser dividida em substância cinzenta intermédia central e substância cinzenta intermédia lateral por duas linhas anteroposteriores. De acordo com este critério, a coluna lateral faz parte da substância cinzenta intermédia lateral. Na coluna ante­rior, distinguem-se uma cabeça e uma base, esta em co­nexão com a substância cinzenta intermédia lateral. Na coluna posterior observa-se, de diante para trás, uma base, um pescoço e um ápice. Neste último existe uma área constituída por tecido nervoso translúcido, rico em células neurogliais e pequenos neurônios, a substância gelatinosa.

SUBSTÂNCIA BRANCA DA MEDULA

As fibras da substância branca da medula agrupam­-se em tratos e fascículos que formam verdadeiros caminhos, ou vias, por onde passam os impulsos ner­vosos que sobem e descem.
VIAS DESCENDENTES
As vias descendentes são formadas por fibras que se originam no córtex cerebral ou em várias áreas do tronco encefálico e terminam fazendo sinapse com os neurônios medulares. Hoje, a classificação mais utilizada das vias descendentes mo­toras é dividida em dois sistemas, lateral e medial (= anteromedial).
SISTEMA LATERAL
O sistema lateral da medula compreende dois tra­tos: o corticoespinhal, que se origina no córtex e o rubroespinhal, que se origina no núcleo rubro do me­sencéfalo. Ambos conduzem impulsos nervosos aos neurônios da coluna anterior da medula, relacionan­do-se com estes neurônios diretamente ou através de neurônios internunciais. No nível da decussação das pirâmides no bulbo, os tratos corticoespinhais se cru­zam, o que significa que o córtex de um hemisfério cerebral comanda os neurônios motores situados na medula do lado oposto, visando a realização de movi­mentos voluntários.
O trato corticoespinhal lateral localiza-se no funículo lateral da medula, atinge até a medula sacral e, como suas fibras vão pouco a pouco terminando na substância cinzenta, quanto mais baixo, menor o número delas. O trato rubroespinhal, bem desenvolvido na maioria dos animais, liga-se aos neurônios motores situados lateralmente na coluna anterior, os quais controlam os músculos responsáveis pela motricidade da parte distal dos membros (músculos intrínsecos e extrínsecos da mão e do pé). Neste sentido, ele se as­semelha ao trato corticoespinhal lateral, que também controla esses músculos. Entretanto, durante a evolu­ção, houve aumento do trato corticoespinhal e dimi­nuição do trato rubroespinhal, que, no homem, ficou reduzido a um número muito pequeno de fibras.
SISTEMA MEDIAL
São os seguintes os tratos do sistema medial da medula: trato corticoespinhal anterior, tetoespinhal, vestibuloespinhal e os reticuloespinhais pontino e bulbar. Os nomes referem-se aos locais onde eles se originam. Todos esses tratos terminam na medula em neurônios internunciais, através dos quais eles se ligam aos neurônios mo­tores situados na parte medial da coluna anterior e, deste modo, controlam a musculatura axial, ou seja, do tronco e pescoço, assim como a musculatura pro­ximal dos membros.
Características das vias motoras descendentes somáticas da medula.
VIAS ASCENDENTES
As fibras que formam as vias ascendentes da medu­la relacionam-se direta ou indiretamente com as fibras que penetram pela raiz dorsal do nervo espinhal, tra­zendo impulsos aferentes de várias partes do corpo.
Cada filamento radicular da raiz dorsal, ao ganhar o sulco lateral posterior, divide-se em dois grupos de fibras: um grupo lateral e outro medial. As fibras do grupo lateral são mais finas e dirigem­ -se ao ápice da coluna posterior, enquanto as fibras do grupo medial dirigem-se à face medial da coluna pos­terior. Antes de penetrar na coluna posterior, cada uma dessas fibras se bifurca, dando um ramo ascendente e outro descendente sempre mais curto, além de grande número de ramos colaterais mais finos. Todos esses ra­mos terminam na coluna posterior da medula, exceto um grande contingente de fibras do grupo medial, cujos ramos ascendentes, muito longos, terminam no bulbo.
Existem diversas possibilidades de sinapse para as fibras: neurônios motores, na coluna anterior; neurônios internunciais; neurônios cordonais de associação; neurônios pré-ganglionares; neurônios cordonais de projeção.
VIAS ASCENDENTES DO FUNÍCULO POSTERIOR
No funículo posterior existem dois fascículos, grácil, situado medialmente, e cuneiforme, situado lateralmen­te, separados pelo septo intermédio posterior. Estas fibras nada mais são que os prolongamentos centrais dos neurônios sensitivos situados nos gânglios espinhais.
O fascículo grácil inicia-se no limite caudal da me­dula e é formado por fibras que penetram pelas raízes coccígea, sacrais, lombares e torácicas bai­xas, terminando no núcleo grácil, situado no tubérculo do núcleo grácil do bulbo. Dos neurônios deste núcleo saem as fibras arqueadas internas que ascendem através do lemnisco medial até o tálamo. Conduz, por­ tanto, impulsos provenientes dos membros inferiores e da metade inferior do tronco e pode ser identificado em toda a extensão da medula.
O fascículo cuneiforme, evidente apenas a partir da medula torácica alta, é formado por fibras que penetram pelas raízes cervicais e torácicas superiores, ter­minando no núcleo cuneiforme, situado no tubérculo do núcleo cuneiforme do bulbo. Dos neurônios deste núcleo saem as fibras arqueadas internas que ascendem através do lemnisco medial até o tálamo. Conduz, portanto, impulsos originados nos membros superio­res e na metade superior do tronco.
Do ponto de vista funcional, não há diferença entre os fascículos grácil e cuneiforme; sendo assim, o funículo posterior da me­dula é funcionalmente homogêneo, conduzindo impul­sos nervosos relacionados com: propriocepção consciente, tato discriminativo, sensibilidade vibratória, estereognosia.
VIAS ASCENDENTES DO FUNÍCULO ANTERIOR
No funículo anterior localiza-se o trato espinotalâmico anterior, formado por axônios de neurônios cordonais de projeção situados na coluna posterior. Estes axônios cruzam o plano mediano e fletem-se cranialmente para formar o trato espinotalâmico an­terior, cujas fibras nervosas terminam no tálamo e levam impulsos de pressão e tato grosseiro (tato protopático) Esse tipo de tato, ao contrário da­quele que segue pelo funículo posterior, é pouco dis­criminativo e permite, apenas de maneira grosseira, a localização da fonte do estímulo tátil. A sensibilidade tátil tem, pois, duas vias na medula, uma direta, no fu­nículo posterior, e outra cruzada, no funículo anterior. Por isso, dificilmente se perde toda a sensibilidade tá­til nas lesões medulares, exceto, é óbvio, naquelas em que há transecção do órgão. Quando as fibras penetram na medula, seus ramos ascendem de 2 a 15 segmentos e descem entre 1 e 2 segmentos. Por conseguinte, clinicamente o poder de localização da avaliação do tato grosseiro e pressão é pequeno por haver superposição dos segmentos medulares.
VIAS ASCENDENTES DO FUNÍCULO LATERAL
Trato espinotalâmico lateral – neurônios cordonais de projeção, situados na coluna posterior, emitem axô­nios que cruzam o plano mediano na comissura branca, ganham o funículo lateral, onde se fletem cranialmente para constituir o trato espinotalâmico lateral, cujas fibras terminam no tálamo. O tamanho deste trato aumenta à medida que ele sobe na medula pela constante adição de novas fibras. O trato espino­talâmico lateral conduz impulsos de temperatura e dor. Em cer­tos casos de dor, decorrente principalmente de câncer, aconselha-se o tratamento cirúrgico por secção do trato espinotalâmico lateral, técnica denominada de cordo­tomia. Junto desse trato seguem também as fibras espinorreticulares, que também conduzem impulsos dolorosos. Essas fibras fa­zem sinapse na chamada formação reticular do tronco encefálico, onde se originam as fibras retículotalâmi­cas, constituindo-se assim a via espino-retículo-talâmi­ca. Essa via conduz impulsos relacionados com dores do tipo crônico e difuso (dor em queimação), enquanto a via espinotalâmica se relaciona com as dores agudas e bem localizadas da superfície corporal. Há uma distribuição somatotrópica igual a do trato corticoespinhal lateral: as fibras mais laterais advêm da região sacral, e as mais mediais advêm da região cervical. Cabe lembrar que, quando as fibras transmissoras de dor e temperatura penetram na medula, emitem ramos que sobem e descem 1 ou 2 segmentos medulares antes de fazer sinapse com os neurônios do corno posterior. Isso tem implicação clínica na investigação topográfica de lesões medulares, explicando porque os testes de dor e temperatura têm maior poder de localização.
Trato espinocerebelar posterior – neurônios cordo­nais de projeção, situados no núcleo torácico da coluna posterior, emitem axônios que ganham o funículo late­ral do mesmo lado, fletindo-se cranialmente para for­mar o trato espinocerebelar posterior. As fibras deste trato penetram no cerebelo pelo pedúnculo cerebelar inferior, levando impulsos de propriocepção inconsciente (controle “on-line”) originados em fusos neu­romusculares e órgãos neurotendinosos.
Trato espinocerebelar anterior – tem a mesma origem e composição do trato espinocerebelar posterior, exceto pelo fato de ascender homo e contralateralmente na medula, e de penetrar no cerebelo pelo pedúnculo cerebelar superior.

Trato Origem Função
Sistema lateral
Corticoespinhal lateral Córtex·motor Motricidade voluntária da musculatura distal
Rubroespinhal Núcleo rubro do mesencéfalo Motricidade voluntária da musculatura distal
Sistema medial
Corticoespinhal anterior Córtex motor Motricidade voluntária axial e proximal dos membros superiores
Teto espinhal Colículo superior Orientação sensorial motora da cabeça
Reticuloespinhal pontino Formação reticular pontina Ajustes posturais ativando a musculatura extensora do membro inferior pontino Motricidade voluntária da musculatura axial e proximal
Reticuloespinhal bulbar Formação reticular bulbar Ajustes posturais relaxando a musculatura extensora do membro inferior Motricidade voluntária da musculatura axial e proximal
Vestibuloespinhal lateral Núcleo vestibular lateral Ajustes posturais para manutenção do equilíbrio
Vestibuloespinhal medial Núcleo vestibular medial Ajustes posturais da cabeça e tronco medial

DERMÁTOMOS

Para o diagnóstico topográfico, também é importante conhecer a localização de alguns dermátomos. Estes são áreas de inervação cutânea representadas por um segmento medular.

SÍNDROMES MEDULARES

SÍNDROME DE TRANSECÇÃO MEDULAR COMPLETA (MIELOPATIA TRANSVERSA)

Secção transversal completa da medula espinhal causa abolição imediata de todas as for­mas de sensibilidade e da motricidade voluntária abaixo da lesão. Na fase inicial, denominada fase de choque medular, os reflexos profundos e super­ficiais estão abolidos, ocorrem retenção urinária e fecal secundárias à arreflexia do detru­sor e à paralisia do peristaltismo intestinal, respec­tivamente. Somente após al­gumas semanas aparecerão o sinal de Babinski (somente em lesão acima de L1) e os reflexos profundos, que progressivamente tornar­-se‑ão hiperativos. O limite superior da anestesia, denominado nível de sensibilidade, permite reconhecer o seg­mento em que ocorreu a transecção. Mielopatias transversas podem ter diversas etio­logias. Traumas, compressões agudas por tumores malignos, infecções e inflamações agudas são algu­mas das causas mais comuns. Muitas vezes a lesão envolve todos os tratos, mas sem comprometê‑los totalmente, havendo preser­vação parcial das funções motora e sensitiva.
A borda superior do nível sensitivo frequentemente é demarcado por uma zona de hiperalgesia. Também há perda das funções vesicais, intestinal e sexual. Só há preservação do reflexo bulbocavernoso (contração do músculo bulbocavernoso, atrás do escroto, após estímulo de beliscão no dorso da glande), indicando preservação do cone medular. Após alguns dias a semanas, começam a aparecer os sinais de liberação piramidal, retenção urinária e micção reflexa. Quando a síndrome ocorre de forma gradual, não ocorre a fase de choque medular.

SÍNDROME DE HEMISSECÇÃO MEDULAR OU BROWN-SÉQUARD

Suas causas mais comuns são traumatismo, compressões por tumores e hérnia de disco cervical. Do mesmo lado da lesão, o paciente apresenta uma paresia inicialmente flácida e arrefléxica, mas posteriormente com sinais de liberação, e perda da propriocepção. A sensibilidade tátil discriminativa que depende dos tratos grácil e cuneiforme é comprometida do lado da lesão. Contralateralmente à lesão, ocorre perda da sensação de dor e temperatura porque o tracto espinotalâmico lateral cruzado é interrompido, Ocorre preservação do tato grosseiro. No nível do segmento medular afetado pela he­missecção ocorrem alterações da sensibilidade e motricidade ipsilaterais à lesão. Assim, pode haver faixa de anestesia ipsilateral devido ao com­prometimento das fibras das raízes dorsais que atingem aquele segmento medular. Dores ou parestesias também podem ocorrer no dermátomo correspondente.

SÍNDROME DA SUBSTÂNCIA CINZENTA

Pode ser causada por siringomielia, hematomielia (hematoma central) ou tumores. Geralmente nível cervical. A siringomielia consiste na formação de uma ou mais cavidades cheias de líquido na porção central da medula. Ocorrem mais comumente na medula cervical, podendo se estender para o bulbo (siringobulbia), podendo ser idiopática ou secundária (trauma, tumor, infecção). O paciente apresenta perda de sensibilidade térmica e dolorosa bilateralmente, somente no segmento acometido (anestesia suspensa). Com a expansão da lesão, pode ocorrer paresia espástica e hiperrefléxica de MMSS, predominando em mãos, com atrofia destas. Paralisia espástica nos MMII e flácida nas mãos.

SÍNDROME CORDONAL POSTERIOR

Os processos patológicos que afetam os fascículos grácil e cuneiforme podem também envolver as raízes dorsais e as células do gânglio da raiz dorsal. Podem ser causadas por deficiência de vitamina B12, lesões medulares compressivas posteriores (estenose medular, por exemplo) e neurossífilis (chamada, nestes casos de “tabes dorsalis”). O paciente apresenta perda da propriocepção, tato discriminativo, sensibilidade vibratória e da estereognosia abaixo da lesão em ambos os lados do corpo. Também apresentam a marcha talonante, ataxia sensitiva e o clássico sinal de Romberg. Em lesões parciais dos funículos posteriores, a flexão ventral passiva ou ativa do pescoço pode ocasionar sensação de choque que se irradia pelas costas ou pelos quatro membros, conhecida como sinal de Lhermitte.
Síndrome cordonal posterior é freqüente na esclerose múltipla, doença que se caracteriza clinica­mente pela ocorrência de surtos recidivantes de com­prometimento da medula espinal, do encéfalo ou dos nervos ópticos e que são parcial ou totalmente reversíveis. A reversibilidade é explicada pelo acometimento preferencial da bainha de mielina com maior preservação dos axônios, daí advindo a denominação doença desmielinizante.

SÍNDROME DO CONE MEDULAR

Decorre de lesões no cone medular, composta pelos segmentos S3, S4 e S5. Pode ser causada por tumores ou hérnias discais lombares maciças. O paciente apresenta retenção urinária (arreflexia do músculo detrusor), incontinência fecal, impotência sexual, perda do reflexo anal e anestesia em sela. Não há paresia em MMII.

SÍNDROME DA ARTÉRIA ESPINAL ANTERIOR

O infarto da medula espinal em geral resulta de oclusão ou hipofluxo nesta artéria. O resultado é a destruição tecidual bilateral em diversos segmentos contíguos com preservação das colunas posteriores. Todas as funções da medula espinal – motora, sensitiva e autonômica – são perdidas abaixo do nível da lesão, com a notável exceção das sensibilidades vibratória e proprioceptiva que se mantêm íntegras. Atenção para dissecção de aorta.

MIELITE TRANSVERSA AGUDA

O termo mielite transversa descreve um grupo heterogêneo de desordens inflamatórias que são caracterizadas por disfunção medular motora, sensitiva e autonômica (bexiga, intestino e sexual) aguda ou subaguda. Pode ocorrer por várias causas, mas acontece mais comumente como fenômeno autoimune após infecção ou vacinação ou como resultado de uma infecção direta, uma doença autoimune subjacente, ou uma doença desmielinizante como esclerose múltipla.

DIAGNÓSTICO

Os exame complementares úteis para o diagnóstico etiológico são: Ressonância magnética de medula torácica (avalia com precisão lesões de medula e raízes nervosas, porém não é útil para lesões ósseas) e Radiografia de coluna torácica ou Tomografia computadorizada de coluna torácica (para avaliação das lesões de coluna vertebral).
A MT possui extenso diagnóstico diferencial. A história médica e exame físico pode fornecer pistas que apontam para possíveis infecções ou causas paraneoplásicas, assim como causas associadas a doenças inflamatórias ou autoimunes como LES, sindrome de Sjögren e sarcoidose. Esclerose múltipla está associada com lesões curtas (abrangendo menos de dois segmentos vertebrais) que estão localizadas na periferia da medula, afetando principalmente substância cinzenta, e geralmente existe evidências de lesões desmielinizantes no cérebro. Neuromielite óptica está fortemente associada com mielite transversa longitudinalmente extensa, definida por uma lesão que abrange três ou mais segmentos vertebrais na RM. As lesões tendem a ser simétricas e situadas centralmente na medula (envolvendo tanto matéria cinza quanto branca) e pode se estender pelo tronco cerebral, causando náusea, vômitos e soluços.
Identificação da causa da MT facilita a predição do curso clínico futuro e ajuda na decisão sobre prover profilaxia contra eventos neurológicos futuros. A pós-infecção, pós-vacinação, e a forma idiopática geralmente são síndromes monofásicas, enquanto esclerose múltipla e neuromielite óptica são doenças associadas a alto risco de ataques futuros.
Exames possíveis: punção lombar, FAN, citomegalovirus, PRC, VDRL, hemograma, coagulograma. Pesquisa de bandas oligoclonais. Radiografia de coluna. Procalcitonina (para excluir infecção sistêmica).

CONDUTA

IMUNOTERAPIA INICIAL

A meta da terapia na fase aguda é parar a progressão e iniciar a resolução da inflamação da lesão medular. Corticosteroides são o tratamento de escolha no tratamento inicial. Altas doses intravenosas são usadas (geralmente, 1000mg de metilprednisolona diariamente, por 3 a 5 dias). Terapia resgate com plasmaférese pode beneficiar pacientes que não respondem ao corticosteroide. Entre pacientes com doença desmielinizante sobrejacente, terapias a longo prazo com imunomoduladores ou imunossupressores têm mostrado redução do risco de ataques futuros. Sempre dar ivermectina antes da pulsoterapia.

SUPORTE RESPIRATÓRIO E OROFARÍNGEO

MT pode causar falência respiratória por envolver a medula cervical e tronco cerebral; assim, reavaliação regular da função respiratória e orofaríngea é necessária durante a evolução da mielite. Intubação para ventilação mecânica ou sonda nasogástrica pode ser necessária para garantir a ventilação e reduzir o risco de aspiração.

FRAQUEZA MUSCULAR E IMOBILIZAÇÃO

Administração de heparina de baixo peso molecular é indicado para todos os pacientes com imobilidade. A aminopiridina, um bloqueador de canais de potássio, tem mostrado melhora na velocidade de caminhada em pacientes com esclerose múltipla, possivelmente por prolongar a duração do potencial de ação.

ANORMALIDADE DO TÔNUS

Espasticidade é uma resposta adaptativa que pode facilitar a deambulação, mas quando é excessiva, dolorosa, ou intrusiva, pode exigir tratamento. Estudos comprovam benefícios do baclofeno, tizanidina e benzodiazepínicos no tratamento de pacientes com espasticidade associada com desordens do cérebro e medula espinhal.

DOR

A dor neuropática pode responder ao tratamento com anticonvulsivantes, antidepressivos, analgésicos não esteroidais e narcóticos.

FADIGA

Estudo mostram a eficácia de amantadina para tratamento de fadiga associada a esclerose múltipla. Um estudo mostrou que a acetil L-carnitina é superior à amantadina para o tratamento de fadiga associada a EM, mas estudos maiores são necessários para confirmar o achado. Estimulantes como a dextroanfetamina e metilfenidato são ocasionalmente usados para tratamento da fadiga severa e refratária, mas o uso desses agentes ainda não foi testado.

DISFUNÇÃO GENITURINÁRIA E INTESTINAL

Um cateter uretral geralmente é necessário durante a fase aguda da MT, devido a retenção urinária. Após a fase aguda, ocorre hiperreflexia do detrusor e se caracteriza por urgência urinária, que são reduzidos com o uso de agentes anticolinérgicos (oxibutirina).

REFERÊNCIAS

Machado, A; Haertel, LM. Neuroanatomia Funcional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2015.
Nitrini, R; Bacheschi, LA. A neurologia que todo médico deve saber. 2ª Ed. São Paulo: Atheneu, 2003.
Frohman, EM; Wingerchuk, DM. Transverse Myelitis, The new england journal of medicine, 2010.

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